O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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<strong>de</strong>sconhecido não é muito alto, nem muito corpulento. Mas sua força muscular faria inveja à mais possante<br />
fera. Quando seu braço <strong>de</strong>scarrega a arma, semelha este troço <strong>de</strong> mármore e abate a seus pés os maiores<br />
obstáculos.<br />
Ele atira-se <strong>de</strong> ombro sobre um dos mais alentados <strong>de</strong> formas e dá com ele em terra. Consegue, enfim,<br />
<strong>de</strong>rrubando e ferindo os que preten<strong>de</strong>m cortar-lhe a passagem, chegar ao pé do sargento-mór.<br />
- Lourenço! Que vens fazer aqui? Alguma novida<strong>de</strong> por lá?<br />
- Vim chamar vosmecê a toda pressa. Do lado do rio dirigem-se para o sobrado forças numerosas. No sobrado<br />
se diz que são as forças <strong>de</strong> Luiz Soares. Luiz Soares! exclamou o sargento-mór.<br />
- Luiz Soares! repetiram Felipe e Cosme Bezerra.<br />
- E que faremos agora? Inquiriu João da Cunha.<br />
- Sabendo do que havia, Antonio Rabelo aproximou-se e disse-lhes:<br />
- Po<strong>de</strong>is ir, senhores. Eu <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rei o meu posto até exalar o ultimo suspiro. Pois bem. partiremos a cortar-lhe<br />
a vanguarda - disse Cosme a Antonio Rabelo. Mas ao vosso lado, senhor capitão, ficará o alferes Diogo<br />
Maciel. Ten<strong>de</strong> certeza <strong>de</strong> que estareis bem acompanhado.<br />
Com as espadas nuas nas mãos, os fidalgos afastaram-se, formando uma mó impenetrável.<br />
Alguns dos do bando <strong>de</strong> Jeronimo Paes, que lhes saíram ao encontro, caíram ao peso da terrível massa <strong>de</strong><br />
Lourenço, o qual ia na frente abrindo caminho temerariamente.<br />
Seguiam após eles as or<strong>de</strong>nanças <strong>de</strong> Cosme Bezerra e os escravos <strong>de</strong> João da Cunha.<br />
Penosa, mas rápida, tinha corrido a noite.<br />
Raiava, enfim o dia 23 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1711, que ficou sendo memorável nos fastos <strong>de</strong> Goiana.<br />
XXVI<br />
Não tinha ainda amanhecido <strong>de</strong> todo, quando as balas dos assaltantes já sibilavam pelas urupemas do sobrado<br />
<strong>de</strong> João da Cunha, como pelas enxárcias <strong>de</strong> navio no alto mar esfuziam as lufadas <strong>de</strong> atroz procela.<br />
Porque fora esse o lugar escolhido para as primeiras honras do assalto? Porque, em vez <strong>de</strong> correr<br />
imediatamente à ca<strong>de</strong>ia, forçá-la, quebrar-lhe os ferrolhos, soltar os sentenciados, tinha Luiz Soares tomado<br />
para o pátio do Carmo, <strong>de</strong>ixando entrever a intenção <strong>de</strong> atacar a habitação do fidalgo antes do que qualquer<br />
outro ponto?<br />
A resposta é fácil. Antonio Coelho sabia a hora precisa em que Luiz Soares teria <strong>de</strong> entrar na vila. Sabia o<br />
lugar on<strong>de</strong> essa entrada <strong>de</strong>via efetuar-se: era aquém do Tanquinho, e quase fronteiro ao oitão da igreja do<br />
Senhor-dos-martirios. Tomando essa direção, escapava às trincheiras <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong> Lacerda, como aconteceu.<br />
O negociante, tanto que viu aproximar-se o momento, montou a cavalo e para lá se encaminhou, seguido <strong>de</strong><br />
cerca <strong>de</strong> cem homens. Este troço era composto em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> europeus. Era o corpo <strong>de</strong> sua especial<br />
confiança. Coelho o <strong>de</strong>nominava seu estado-maior. Partiram da Rua-<strong>de</strong>-rosario, ao mesmo tempo que a<br />
multidão capitaneada por Jeronimo se dirigia para o lugar on<strong>de</strong> estacionou.<br />
Quando a gente <strong>de</strong> Luiz Soares, rompendo os últimos matos, saiu na Rua-dos-martirios, que não era então<br />
mais do que o caminho do Tanquinho, achou já ai para o receber o estado-maior dos mascates.<br />
Vendo o comandante da tropa, Coelho correu a ele, chamou-o <strong>de</strong> parte e falou-lhe à purida<strong>de</strong>. Quando a cabo<br />
<strong>de</strong> alguns minutos se separaram, estava assentado o plano do ataque. Luiz Soares <strong>de</strong>via levar suas primeiras<br />
investidas contra a frente da casa do sargento-mór, enquanto o negociante a atacaria pelo lado oposto. Entre<br />
dois fogos, o soberbo fidalgo cairia no po<strong>de</strong>r dos inimigos sem gran<strong>de</strong> custo, e tanto bastaria para que<br />
cessasse a resistência, visto que nenhum dos outros, nem Cosme nem Filipe, nem Jorge Cavalcanti, nem<br />
Manoel da Lacerda, em uma palavra nenhum <strong>de</strong>les tinha gente para fazer frente a seus adversários. Então tudo<br />
tornar-se-ia fácil. O povo já estava solto; a vila abandonada por mais da meta<strong>de</strong> dos habitantes pacíficos;<br />
seguir-se-ia a revolta como se seguiu. As tropas invasoras engrossariam com os subsídios que <strong>de</strong>sse a<br />
insurreição, e tomariam sem perda <strong>de</strong> tempo o caminho do Recife, a fim <strong>de</strong> romper o cerco.<br />
Estas foram as razões que publicou Coelho para autorizar o seu plano. Ele porém tinha a sua razão particular<br />
em querer que prevalecesse este a outros planos indicados pelo <strong>de</strong>stemido Paraibano. O leitor já sabe qual ela<br />
seja. Acabar com João da Cunha era o seu fim, a sua preocupação <strong>de</strong> todo o instante. Acabado ele, po<strong>de</strong>ria<br />
finalizar a guerra, que ele não teria por isso pesar nem <strong>de</strong>scontentamento.<br />
No momento em que, dando a volta da rua, <strong>de</strong>scobriram os fidalgos, aos primeiros clarões da manhã, a vasta<br />
multidão, superior a seiscentos homens, uma idéia assaltou incontinenti o espirito <strong>de</strong> Bezerra. Com sua lúcida<br />
previsão a que <strong>de</strong>via tantos sucessos felizes no período <strong>de</strong> agitação <strong>de</strong> que se trata, concebeu logo ele um<br />
projeto <strong>de</strong> oposição.