O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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generalizasse mais dia menos dia, ter cada um dos senhores-<strong>de</strong>-engenho junto <strong>de</strong> se seu contingente, era o<br />
mesmo que estar <strong>de</strong>fendido em sua família e proprieda<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>monstração pratica da excelência e sabedoria<br />
<strong>de</strong>ste acordo, foi Matias Vidal o primeiro que a teve, pelo que fica escrito.<br />
Esta lição, porém, longe <strong>de</strong> encurtar, posto que fosse incruenta, os arrojos do chefe dos bandoleiros, o incitou<br />
a investida ainda mais grave.<br />
O dia seguinte sendo Domingo, apresentou-se ele muito cedo na vila, <strong>de</strong>liberado a praticar qualquer distúrbio,<br />
que, produzindo escândalo, para logo <strong>de</strong>sse lugar a que seu nome soasse como o <strong>de</strong> um diligente e fiel<br />
servidor dos mascates, tanto em Goiana, testemunha do insulto, como no Recife, aon<strong>de</strong> logo havia <strong>de</strong> chegar a<br />
noticia <strong>de</strong>le.<br />
Estava-se em 3 <strong>de</strong> julho. Os espíritos achavam-se por extremo excitados. Os parciais da nobreza, animados<br />
por saberem que tinha ela por se o governador, já restituído a sua liberda<strong>de</strong>, não perdiam ensejo <strong>de</strong> exaltar a<br />
sua força e ostentar o po<strong>de</strong>r que dá a autorida<strong>de</strong>. Os parciais dos mascates não faziam por menos, publicando<br />
que sem dinheiro comprariam os mais nobres da terra, inventando inumeráveis relações <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> entre<br />
os rebel<strong>de</strong>s proeminentes e o governador geral do Brasil, d. Francisco <strong>de</strong> Souza, seu filho, e outros<br />
importantes vultos da Baia e <strong>de</strong> Portugal.<br />
Varias eram as pessoas que na botica do Rogoberto matavam o tempo enquanto o sino da matriz não vibrava a<br />
Segunda chamada para a missa conventual. Entre essas pessoas apontavam-se Jeronimo Paes e Belchior.<br />
Serviam <strong>de</strong> assunto as ultimas noticias chegadas do Recife. Eis a substancia <strong>de</strong> tais noticias. D. Manoel, logo<br />
que se achou <strong>de</strong> novo <strong>de</strong> posse da autorida<strong>de</strong>, mandou publicar na vila o edital pelo qual eram intimados os<br />
oficiais da milícia e os <strong>de</strong>mais moradores que estavam em armas a retirar-se das fortalezas com as respectivas<br />
guarnições, a fim <strong>de</strong> entrarem os povos no sossego do costume, sob pena <strong>de</strong> serem havidos por traidores e<br />
inimigos da paz, e ficarem por isso sujeitos ao rigor das leis. Não tendo querido, porém, os revoltosos aceitar<br />
estes avisos, e <strong>de</strong>vendo-se por isso dar começo a proci<strong>de</strong>ncias mais enérgicas, para as quais, por ser <strong>de</strong> paz e<br />
perdão o seu ministério, não se julgava o mais próprio, resolveu encarregar do governo militar o ouvidor<br />
geral, dr. Luiz <strong>de</strong> Valenzuela Ortiz, o mestre <strong>de</strong> campo Christovão <strong>de</strong> Mendonça Arraez e o senado da câmara<br />
<strong>de</strong> Olinda, que se compunha do coronel Domingos Bezerra Monteiro, capitão Antonio Bezerra Cavalcanti e<br />
tenente Estevão Soares <strong>de</strong> Aragão.<br />
O procedimento do prelado era consi<strong>de</strong>rado como covardia no congresso da botica. Belchior, para dar mais<br />
autorida<strong>de</strong> a este juízo, recordava diferentes circunstancias passadas, a saber, a partida <strong>de</strong> d. Manoel para a<br />
Paraíba quando <strong>de</strong>sfecharam o tiro no governador Caldas; o ter-se <strong>de</strong>ixado pren<strong>de</strong>r pelos mercadores no dia<br />
18 do mês anterior; e outras circunstancias que não são para o nosso caso. O bispo não é mais do que um vilão<br />
ruim, um <strong>de</strong>sprezível instrumento dos Cavalcantis que querem ter sempre curvados a seus pés, como têm os<br />
negros dos seus engenhos, os povos <strong>de</strong> Pernambuco. Os mascates não precisam <strong>de</strong>le para castigarem a<br />
soberba e arrogância <strong>de</strong>ssa nobreza <strong>de</strong> meia tigela, que o que traz limpo em seu sangue <strong>de</strong>ve a esses mesmos<br />
mascates; porque o que daí não proce<strong>de</strong>, é cor da noite <strong>de</strong> África ou cor do fogo das al<strong>de</strong>ias.<br />
Palavras não eram ditas quando um filho <strong>de</strong> Jorge Cavalcant, que vinha montado em fogoso ginete, chegandose<br />
à porta da botica assim retorquiu, montado como estava, a Belchior com o calor e a imprudência dos<br />
primeiros anos:<br />
- Vilões ruins são aqueles brasileiros <strong>de</strong>snaturados que se ven<strong>de</strong>m ao ouro ou ren<strong>de</strong>m às lábias dos<br />
estrangeiros, cujo sentimento não é outro que o <strong>de</strong> revolverem a terra on<strong>de</strong> encontraram hospedagem. Esses,<br />
sim, são os mais infames vilões que pisam na terra <strong>de</strong> Camarão e <strong>de</strong> Henrique Dias. Sua baixeza não se<br />
compara nem mesmo com a dos que mor<strong>de</strong>m a mão que <strong>de</strong>veriam beijar.<br />
Replicou-lhe Belchior com quatro pedras na mão; o filho <strong>de</strong> Jorge treplicou, já com mostras <strong>de</strong> quem queria<br />
usar o chicote que trazia. Quando o gesto indicou a intenção, quase todos os que estavam na botica, tomaram<br />
o partido <strong>de</strong> Belchior, mas não tardou que varias pessoas das vizinhanças e da rua vieram em socorro do outro<br />
contendor.<br />
Estavam justamente as coisas neste ponto, quando apareceu o chefe dos bandoleiros. Ao gibão surrado, aos<br />
calções em diferentes partes serzidos e aos sapatões grosseiros com que costumava andar, tinham-se<br />
substituído casaca e calções <strong>de</strong> veludo e sapatos <strong>de</strong> entrada baixa com fivelas. Trazia pen<strong>de</strong>nte um espadim<br />
que parecia novo, como o chapéu <strong>de</strong> pluma e a roupa. Naqueles tempos já o habito fazia o monge. Tanto que<br />
o Tunda-Cumbe se apresentou vestido com este apuro e galhardia, não foi preciso mais para que todos logo<br />
conjeturassem que gran<strong>de</strong> transformação se operara na vida do ex-peixeiro, e já alguns lhe tirassem o chapéu,<br />
como <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> respeitosa cortesia. Tal houve que se afastou para que ele tivesse livre acesso ao ponto<br />
central do conflito. Muitos dos circunstantes explicaram esta atenção, atribuindo-a a vir ele acompanhado <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>z a doze valentões conhecidos, pouco tempo antes seus companheiros, agora seus guarda-costas.<br />
- Don<strong>de</strong> vem esta gran<strong>de</strong>za e este po<strong>de</strong>rio a Tunda-Cumbe, que ainda não há um mês vendia bodiões e amorés