O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eis algumas das quadras com que o rapaz gratificou a companhia. Muitas <strong>de</strong>las ainda hoje em dia têm extensa<br />
voga entre os matutos <strong>de</strong> Pernambuco, aos quais as ouvi mais <strong>de</strong> uma vez, jorna<strong>de</strong>ando, entre fins <strong>de</strong><br />
novembro e princípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, do Recife para Goiana nos meus tempos escolares. Elas pertencem<br />
exclusivamente ao povo, e eu aqui as dou com a exatidão com que as recebi da gran<strong>de</strong> musa que as produziu.<br />
Minha mulata, eu tenho<br />
Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> te servir;<br />
De dia falta-me o tempo,<br />
De noite quero dormir.<br />
Vou-me embora, vou-me embora<br />
Para minha terra vou;<br />
Se eu aqui não sou querido,<br />
Lá na minha terra sou.<br />
Quando eu me for não choreis,<br />
Que são penas que me dais;<br />
Deixai o chorar prá mim,<br />
Que eu me vou, não venho mais.<br />
Manjericão ver<strong>de</strong>-escuro<br />
Tem a folha miudinha;<br />
Só em te ver eu te amo:<br />
Que fora se fosses minha?<br />
Passei pela tua porta,<br />
Pus a mão na fechadura;<br />
Eu falei, tu não falaste,<br />
Coração <strong>de</strong> pedra dura.<br />
Meu passarinho tão manso,<br />
Das minhas mãos escapou;<br />
Para mais penas me dar,<br />
Penas nas mãos me <strong>de</strong>ixou.<br />
- Molha a guela, Lourenço, molha a guela com a patricia - disse neste ponto ao cantador o Ignacio<br />
Macambira. A patricia é o vinho do pobre - acrescentou Chico - rosado.<br />
E Victorino, <strong>de</strong>spejando aguar<strong>de</strong>nte na xícara, que não estava quieta um só instante em cima da banquinha do<br />
canto da sala, apresentou-a a Lourenço, que <strong>de</strong>la tomou um trago forte.<br />
Mas como se sentia cansado, poucos versos cantou ainda, e concluiu pelo seguinte:<br />
As convivências do mundo<br />
São amparo da pobreza;<br />
Enquanto o pobre convive,<br />
Não se lembra da riqueza.<br />
- Aqui está o lugar para quem quiser, minha gente, disse ele, sentando-se.<br />
- Deste tão cedo parte <strong>de</strong> fraco?<br />
- É enquanto tomo fôlego.<br />
- Quem vem? Quem vem? perguntou o violeiro. Quem vem, venha logo, que o fogo está esfriando.<br />
- Vai tu, Bernardina - disse Victorino.<br />
- Muito bem, Victorino.<br />
- Logo, logo, Bernardina.<br />
A rapariga foi ocupar o lugar <strong>de</strong>ixado por Lourenço.<br />
XIV<br />
A voz <strong>de</strong> Bernardina era volumosa e límpida. As mulheres invejavam a filha mais velha <strong>de</strong> foreiro este gran<strong>de</strong><br />
dote que atraia os homens a ela e lhe dava o prestigio e o renome <strong>de</strong> uma sereia. Não sendo tão bonita, como a<br />
irmã, via entretanto em roda como <strong>de</strong> se um sem numero <strong>de</strong> entusiastas e adoradores sempre que exercitava o<br />
seu divino privilegio. Por isso, quando rapariga se encaminhou para o lugar que Lourenço <strong>de</strong>ixara<br />
<strong>de</strong>socupado, surdo rumor, indicio da curiosida<strong>de</strong>, se fez ouvir em todos os cantos do casebre. Seguiu-se-lhe<br />
porém logo profundo silencio.