15.04.2013 Views

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Que quer dizer isto? Inquiriu Marcelina. Pois a única ocupação <strong>de</strong>le não era botar sentido aos cajueirais?<br />

- Esta era a obrigação que lhe <strong>de</strong>u meu senhor. Mas o tempo chegava para mais, e Benedicto já tinha ajustado<br />

limpar as canas e a roça <strong>de</strong> um homem chamado seu Zeferino, que tem o sitio nos fundos da campina <strong>de</strong> meu<br />

senhor.<br />

Marcelina refletiu um momento, ao cabo do qual tornou á preta:<br />

- Quero dizer-te uma coisa, Quiteria. Se o ajuste está feito, não digas nada ao Zeferino, que eu mando uma<br />

pessoa fazer o serviço. A paga fica pertencendo sempre a Benedicto.<br />

Como é isto, sinhá Marcelina? Pois vosmecê me faz esta esmola, minha senhora? Oh! fico-lhe muito<br />

agra<strong>de</strong>cida. E quem é a pessoa que vai fazer o serviço em lugar <strong>de</strong> Benedicto?<br />

- É Lourenço.<br />

- Seu Lourenço?<br />

- É ele mesmo. Não foi ele que o botou <strong>de</strong>ntro da cova?<br />

A negra nada mais disse, e Francisco, sabendo da resolução <strong>de</strong> Marcelina ou, antes do castigo <strong>de</strong> Lourenço,<br />

aprovou-o com satisfação.<br />

Quando Benedicto se <strong>de</strong>u por pronto, Quiteria e Moçambique o vieram buscar.<br />

Traziam estampado nos semblantes o contentamento.<br />

Tinham recebido os cobres do Zeferino, o qual só fazia gabar o serviço <strong>de</strong> Lourenço. Os negros agra<strong>de</strong>ceram<br />

pela ultima vez a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marcelina, e quando iam a sair, esta os fez parar e lhes disse:<br />

- Quando Lourenço foi fazer a limpa no sitio <strong>de</strong> Zeferino, havia oito dias que Benedicto estava <strong>de</strong> cama, não é<br />

verda<strong>de</strong>, Quiteria?<br />

- É, sim senhora.<br />

- Eu não quero que Lourenço fique <strong>de</strong>vendo ao filho <strong>de</strong> vocês nem uma hora.<br />

- Está tudo pago, está tudo pago já e repago, minha senhora - disse Moçambique.<br />

- Não está; eu sei o que estou dizendo. O trabalho <strong>de</strong> meu filho nesses oito dias é aquele.<br />

E indicou uma porção <strong>de</strong> cestos e esteiras <strong>de</strong> cangalhas que estavam amontoados a um canto da casa.<br />

- Tudo isso pertence a Benedicto. Não me <strong>de</strong>ixem uma só esteira, nem um só cesto; levem tudo. Vendam,<br />

dêem, façam <strong>de</strong>les o que quiserem. Está completo o castigo <strong>de</strong> Lourenço. Com o seu próprio trabalho remiu<br />

ele a sua culpa.<br />

Lourenço que assistiu á solene entrega <strong>de</strong>sses objetos, filhos das suas mãos, viu com lagrimas nos olhos eles<br />

passarem do seu po<strong>de</strong>r para o daquele cuja vida pusera em perigo, e a quem <strong>de</strong>ra tanto que pa<strong>de</strong>cer.<br />

Mas nada disse. Os olhos baixos, o semblante abatido, o coração abalado, compreen<strong>de</strong>u, do modo mais<br />

natural e positivo, que todo mal que praticasse dali por diante a outrem, seria praticado consigo próprio, não<br />

resultando em ofensa a sua pessoa, mas privando-o do resultado <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>, que fosse necessário á<br />

respectiva in<strong>de</strong>nização.<br />

Nunca ele tinha compreendido tão bem, como nesse momento, que o homem que menos mal faz, é o que está<br />

menos sujeito ao mal.<br />

Quando os pretos saíram satisfeitos e agra<strong>de</strong>cidos, Marcelina dirigiu estas palavras ao filho:<br />

- Estás vendo, Lourenço? Trabalhaste dois meses inteiros para um moleque cativo.<br />

- Foi porque vosmecê quis - disse ele, <strong>de</strong>speitado.<br />

Não, foi porque assim <strong>de</strong>via ser. De ninguém te <strong>de</strong>ves queixar senão <strong>de</strong> teu mau natural, <strong>de</strong> ti mesmo. Deus<br />

queira que esta lição te aproveite. Lá se foi gran<strong>de</strong> parte das tuas economias. Ficaste mais longe do que<br />

estiveste <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res comprar um engenho.<br />

Lourenço respon<strong>de</strong>u:<br />

- Trabalharei <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong> noite, e em pouco tempo hei <strong>de</strong> recuperar o que perdi. Vosmecê há <strong>de</strong> ver.<br />

- Deus permita que isto aconteça.<br />

Nesse momento entrou o padre Antônio, a quem os negros tinham contado o que pouco antes se <strong>de</strong>ra.<br />

Venho dar-te os parabéns, Marcelina, pelo modo como castigaste teu filho. Aprovo muito esta teoria. A pena<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção corporal, quero dizer a prisão, não repara o mal que vem do crime. Traz um constrangimento, um<br />

sofrimento físico ao <strong>de</strong>linqüente, mas é estéril, sem resultado. Com excepção do crime <strong>de</strong> morte, o qual nem<br />

pela pena <strong>de</strong> morte se po<strong>de</strong> reparar, todos os mais crimes po<strong>de</strong>m achar justa reparação no trabalho. Ao crime<br />

<strong>de</strong> morte mesmo é possível ás justiças arbitrarem uma reparação razoável. Fizeste muito bem. e tu, Lourenço,<br />

não botes fora a lição, que <strong>de</strong> muito te há <strong>de</strong> servir na vida. Trabalha e tem fé na Provi<strong>de</strong>ncia.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!