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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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muito menos para proce<strong>de</strong>r a excessos que possam trazer o sangue e a morte.<br />

- - Com quem estou metido! exclamou Cosme. Que dois filósofos humanitários! Observasse eu estes preceitos<br />

<strong>de</strong> refinada brandura, que amanhã Goiana em peso estaria nas garras <strong>de</strong> Antonio Coelho e <strong>de</strong> Jeronimo Paes, e<br />

cada um <strong>de</strong> nós teria o seu gasnete entre as unhas do Lauriano, do Bartolomeu ou <strong>de</strong> outros vis instrumentos<br />

do ódio português. Basta, meus amigos; dispenso os vossos conselhos. Olá, Matias? Gritou ele a um soldado,<br />

que da porta da sala assistia, sem tugir nem mugir, como era seu <strong>de</strong>ver, à conversação dos nobres senhores.<br />

Corre já à casa, e dize ao alferes Maciel que espere por mim com toda a força que lá tem sob suas or<strong>de</strong>ns. Põe<br />

nova carga nas minhas pistolas e mete-as nos meus coldres.<br />

- Luiz Vidal, tendo ouvido estas or<strong>de</strong>ns do irmão, <strong>de</strong>u o andar pela sala e voltou ao ponto em que se achava<br />

um minuto antes. Faço-vos companhia, Cosme, disse ele.<br />

- Muito folgo <strong>de</strong> o saber. Eu também vou, disse João da Cunha, encaminhando-se para a porta. Pois não hei<br />

<strong>de</strong> acompanhá-los? Não é o lugar dos cavalheiros o seio quente da família quando a pátria está em perigo.<br />

Chegando à porta que dava para a escada, o sargento-mór chamou:<br />

- Ó <strong>de</strong>baixo? Venha cá um <strong>de</strong> vocês.<br />

Um negro apareceu logo após.<br />

- On<strong>de</strong> está Germano?<br />

- Foi chamar Moçambique e Benedicto.<br />

- E vocês estão todos aí?<br />

- Estamos todos, sim senhor.<br />

- Sela o meu cavalo.<br />

Entretanto, d. Damiana chegara-se para on<strong>de</strong> estavam Cosme, Luiz Vidal e Filipe Cavalcanti e com eles<br />

conversava sobre os sucessos vistos e previstos.<br />

- - I<strong>de</strong>s também percorrer as ruas, Sr. João da Cunha? Perguntou ela ao marido que, dada a or<strong>de</strong>m, tornara a<br />

seu lugar. Meu <strong>de</strong>ver impõe-me este procedimento.<br />

- Não sei se seria mais pru<strong>de</strong>nte não vos expor<strong>de</strong>s às iras dos vossos inimigos. Penso, ao contrário, que <strong>de</strong>vo ir<br />

ao encontro <strong>de</strong>les a fim <strong>de</strong> os castigar. Mas é que em vossa ausência po<strong>de</strong>m vir atacar o sobrado, observou<br />

Filipe Cavalcanti.<br />

- Meus escravos estão aí para <strong>de</strong>fendê-lo. Não nos há <strong>de</strong> faltar nem pólvora nem bala.<br />

- E não há <strong>de</strong> ser só a escravatura que o <strong>de</strong>fenda. Eu também sei pegar <strong>de</strong> uma espingarda e dispará-la, disse<br />

graciosamente a jovem senhora-<strong>de</strong>-engenho.<br />

- Bonito, prima! exclamou Cosme Bezerra, sorrindo. Quisera estar <strong>de</strong> parte a ver a galhardia <strong>de</strong>sta valente<br />

amazona.<br />

Não façais pouco em mim, Sr. Cosme, respon<strong>de</strong>u d. Damiana. Bem me conheceis. Se entrar<strong>de</strong>s na sala das<br />

mulheres, ficareis admirado do armamento que lá existe. Há mais <strong>de</strong> uma semana não tinha eu no engenho<br />

outra ocupação que fazer cartuchame. Po<strong>de</strong>is pois levar tranqüilo vosso espirito. Na casa <strong>de</strong> João da Cunha só<br />

penetrará mascate <strong>de</strong>pois que Damiana da Cunha tiver exalado o ultimo suspiro.<br />

A gentileza com que a senhora-<strong>de</strong>-engenho dizia estas palavras não se <strong>de</strong>screve, nem se imagina sequer.<br />

Outros fossem aqueles a quem ela se dirigia nesse momento, que teriam por vã e ridícula bravata essa<br />

afirmação a que a autorizava o conhecimento intimo do quanto valia o seu animo. D. Damiana era <strong>de</strong> feito<br />

perita em atirar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os quatorze para os quinze anos. Manhãs inteiras levava ela por junto das capoeiras<br />

próximas do cercado do engenho a passarinhar por distração. Mais <strong>de</strong> uma aposta ganhou a parentes seus com<br />

quem atirara ao alvo. As <strong>de</strong>tonações das armas <strong>de</strong> fogo, longe <strong>de</strong> amedrontá-la, levantavam seus espíritos.<br />

Sentia nelas certa voluptuaria harmonia que lhe trazia <strong>de</strong>leite. Naquela forma juvenil, graciosa e fresca havia<br />

ânimos viris, que se impunham à vonta<strong>de</strong> e condição feminil como leis fatais e impreteríveis. Enfim, era<br />

tradicional esta qualida<strong>de</strong> da mulher do sargento-mór, e lhe acarretara entre o povo certa alcunha, com que as<br />

más línguas supunham injuriá-la. Chamavam-na - a Escopeteira. Longe, porém, <strong>de</strong> se dar por ofendida, a<br />

mulher <strong>de</strong> João da Cunha não perdia ocasião <strong>de</strong> mostrar praticamente que esta alcunha lhe era agradável e que<br />

a ela tinha indisputável direito.<br />

- Bem sei quanto valeis, senhora prima, tornou Cosme. Mas é que difere muito atirar em rolinhas e sanhassús<br />

<strong>de</strong> atirar em salteadores afeitos a torcer o corpo às balas e aos mais mortais golpes.<br />

- Seja como for, Sr. Cosme. Guar<strong>de</strong>m os negros o baixo da casa, que eu guardarei o alto. Mas receio por meu<br />

marido, porque sei quanto o o<strong>de</strong>iam os mascates e a plebe.<br />

- Nada o há <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r. Demais, vamos apenas dar uma volta pelas ruas mais agitadas, disse Luiz Vidal.<br />

E estaremos <strong>de</strong>ntro em pouco tempo <strong>de</strong> volta, acrescentou João da Cunha. Como a esse tempo<br />

estavam já prontos os cavalos, <strong>de</strong>sceram a montá-los os cavaleiros presentes. Antes <strong>de</strong> sair, João da<br />

Cunha entrou no armazém.

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