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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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pu<strong>de</strong>ram dominar. Os santos das igrejas olham pelos moradores. Vão lá contar <strong>de</strong>stas historias a Antonio<br />

Coelho e a Jeronimo Paes, que hão <strong>de</strong> vê-los respon<strong>de</strong>r à crença do povo com risos mofadores. É porque eles<br />

são dois refinados hereges, disse a velhota. E como hereges hão <strong>de</strong> acabar. Quem for vivo há <strong>de</strong> ver. Talvez<br />

que nesta guerra mesma que eles preparam, venha o seu fim encoberto.<br />

O crepitar das labaredas com que as fogueiras iluminavam todo o largo pátio do engenho; as <strong>de</strong>tonações das<br />

armas <strong>de</strong> fogo que <strong>de</strong> todos os lados estavam indicando quanto o S. João é estimado pelo povo, fizeram enfim<br />

inclinar para a festa as atenções até então absorvidas nas tristes apreensões que o grave acontecimento<br />

suscitava.<br />

Como se compreen<strong>de</strong>ssem a conveniência <strong>de</strong> auxiliar esta nova disposição dos espíritos, as escravas copeiras<br />

entraram nesse momento na sala, conduzindo ban<strong>de</strong>jas com bolos e doces, <strong>de</strong> que começaram a servir-se os<br />

hospe<strong>de</strong>s.<br />

Dentro em pouco a conversação, ainda presa por uma ponta à guerra, espalhava-se pela outra em vários<br />

assuntos mais próximos e positivos. Praticou-se da abundância das chuvas, e do mal que tinham feito às canas<br />

e à roça; da escassez da farinha; da carestia da fazenda.<br />

A razão porque a farinha não aparece no mercado, observou Manoel <strong>de</strong> Lacerda, é porque os mascates se<br />

atravessam e compram por atacado a que encontram. A razão do alto preço da fazenda é porque são eles os<br />

que a ven<strong>de</strong>m.<br />

Vai por estes dias à praça o engenho <strong>de</strong> Martins por execução que lhe move o Porto, disse Felipe Cavalcanti.<br />

Por um ano que Porto levou a suprir o engenho <strong>de</strong> Martins, fez-se credor <strong>de</strong>ste em avultada quantia.<br />

Absorveu-lhe três ou quatro safras, e por fim, não contente com este resultado ainda, propôs-lhe ação em<br />

juízo e o obriga agora a dar o engenho a pagamento. Entretanto, observou Cosme Bezerra, Porto está rico. O<br />

açúcar, que recebia do Martins, em pagamento, a 400 réis a arroba, remetia a seus correspon<strong>de</strong>ntes na Europa<br />

à razão <strong>de</strong> 1$400.<br />

- Só por este modo po<strong>de</strong>ria ele abrir os dois importantes armazéns que estabeleceu no Beco-do-pavão,<br />

observou Jorge Cavalcanti.<br />

- E que é feito <strong>de</strong> Martins? Perguntou um.<br />

- Está pobre, e é hoje meu lavrador, respon<strong>de</strong>u Matias Vidal.<br />

- E não havemos <strong>de</strong> pegar em armas contra os mascates! Exclamou Cosme Bezerra.<br />

Foi neste ponto interrompida a conversação pela entrada <strong>de</strong> Francisco e <strong>de</strong> Lourenço. Vendo-os, o sargentomór<br />

chamou-os ao gabinete on<strong>de</strong> minutos antes se celebrara em família a grave conferencia a que assistimos.<br />

- Aqui está o rapaz, seu sargento-mór, disse Francisco, entrando no gabinete.<br />

Estava impaciente pela tua volta. Dize-me cá. O rapaz po<strong>de</strong>rá partir para a capital, ao nascer da lua?<br />

- Quem? Eu? perguntou Lourenço.<br />

- Tu mesmo, Lourenço.<br />

- Posso partir já, assim o or<strong>de</strong>ne vosmecê.<br />

- Estás pronto <strong>de</strong> tudo?<br />

- De tudo estou, porque nada tenho que aprontar.<br />

- Se Francisco não tivesse chegado há pouco, ele é que havia <strong>de</strong> ir. A incumbência é <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>.<br />

- E que tem que eu tivesse chegado há pouco? Perguntou o matuto.<br />

- Estás cansado. Já não és menino para resistires a duas jornadas forçadas uma atrás da outra.<br />

Perdoe-me vosmecê, seu sargento-mór. Muito me agrada fazer pessoa em meu filho. Mas se é somente por<br />

me supor cansado da viagem que o escolheu, dê preferência a mim, para ir à cida<strong>de</strong>, eu <strong>de</strong>vo dizer a vosmecê<br />

que estou mais pronto do que ele para fazer a viagem. Faço <strong>de</strong> conta que tomei o rancho em Goiana, e que a<br />

minha parada é na Paraíba. Lourenço é digno <strong>de</strong> toda a confiança dos homens <strong>de</strong> bem. mas é ainda muito<br />

moço, tem viajado pouco por esses caminhos, e sem ele o querer, po<strong>de</strong> sair o seu serviço mal feito. Vosmecê<br />

entregue-me o que tinha para ele, que em menos <strong>de</strong> uma hora já estou no caminho <strong>de</strong> Olinda. Só peço licença<br />

para ir ao Cajueiro dar um a<strong>de</strong>us à minha velha.<br />

- Pois vai. Quando voltares, receberás as minhas or<strong>de</strong>ns.<br />

- Senhor, sim.<br />

Dentro <strong>de</strong> poucos minutos, pai e filho estavam no Cajueiro; e quando a luz apontava por cima da mata, já<br />

aquele se achava uma légua distante da vila, em direitura para a capital.<br />

XVI<br />

Lauriano tinha sua tenda na rua do Rosário, perto da loja <strong>de</strong> Antonio Coelho. Era, como quase todos os

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