PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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palavra à lingüística e constituído a fonologia, devemos incorporar<br />
agora as significações lingüísticas à ciência da linguagem”. Assim seja.<br />
Enquanto isso, observo que esta concepção da linguagem termina em<br />
uma disjuntiva: se só tem sentido a linguagem, o universo não-lingüístico<br />
carece de sentido e inclusive de realidade; <strong>ou</strong> então, tudo é linguagem,<br />
desde os átomos e suas partículas até os astros. Nem Peirce nem a<br />
lingüística nos dão elementos para afirmar a primeira <strong>ou</strong> a segunda<br />
hipótese. Tríplice omissão: em um primeiro momento subtrai-se o<br />
problema do nexo entre som e sentido, que não é simplesmente o efeito<br />
de uma convenção arbitrária como pensava Ferdinand de Saussure; em<br />
seguida, exclui-se o tema da relação entre a realidade não-lingüística e o<br />
sentido, entre ser e significado; por último, omite-se a pergunta central:<br />
o sentido da significação. Advirto que esta crítica não é inteiramente<br />
aplicável a <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>. Correndo mais riscos que os lingüistas e os<br />
partidários da lógica simbólica, o tema constante de suas meditações é<br />
precisamente o das relações entre o universo do discurso e a realidade<br />
não-verbal, o pensamento e as coisas, a significação e a não-significação.<br />
Em seus estudos sobre o parentesco, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> procede de<br />
maneira contrária à maioria dos seus predecessores: não pretende<br />
explicar a proibição do incesto a partir das regras de matrimônio, mas<br />
serve-se da primeira para tornar mais inteligíveis as segundas. A<br />
universalidade da proibição, quaisquer que sejam as modalidades que<br />
adote neste <strong>ou</strong> naquele grupo humano, é análoga à universalidade da<br />
linguagem, quaisquer que sejam, também, as características e a<br />
diversidade dos idiomas e dialetos. Outra analogia: é uma proibição que<br />
não aparece entre os animais – pelo que se pode inferir que não tem uma<br />
origem biológica <strong>ou</strong> instintiva – e que, não obstante, é uma complexa<br />
estrutura inconsciente como a linguagem. Enfim, todas as sociedades a<br />
conhecem e a praticam, mas até agora – apesar de abundarem as<br />
interpretações míticas, religiosas e filosóficas – não temos uma teoria<br />
racional que explique sua origem e sua vigência. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> rechaça,<br />
com razão, todas as hipóteses que pretenderam explicar o enigma do<br />
tabu do incesto, desde as teorias finalistas e eugenéticas até a de Freud.<br />
A propósito deste último assinala que atribuir a origem da proibição ao<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 13