15.04.2013 Views

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

pode dizer das sociedades primitivas é que quase não mudaram o<br />

mundo. Ambas as variantes necessitam de uma emenda: nem nós o<br />

modificamos tanto quanto acreditamos, nem os primitivos o<br />

modificaram tão p<strong>ou</strong>co. As modificações foram internas e externas. <strong>No</strong><br />

interior, a aceleração técnica produziu transtornos, revoluções e<br />

guerras; hoje ameaça a integridade psíquica e biológica da população.<br />

<strong>No</strong> exterior, a sociedade progressista destruiu inumeráveis sociedades e<br />

escraviz<strong>ou</strong>, humilh<strong>ou</strong> e mutil<strong>ou</strong> as sobreviventes. Certo, as mudanças<br />

que introduziu são imensas, muitas vezes benéficas e sobretudo<br />

inegáveis. Também são inegáveis os seus desequilíbrios e os seus crimes.<br />

Dizê-lo não implica nostalgia alguma pelo passado: toda sociedade é<br />

contraditória e não há nenhuma que escape à crítica. Se a sociedade<br />

progressista não é melhor que as <strong>ou</strong>tras sociedades, tamp<strong>ou</strong>co tem o<br />

monopólio do mal. Os astecas, os assírios e os grandes impérios nômades<br />

da Ásia Central não foram menos cruéis, orgulhosos e brutais do que<br />

nós. <strong>No</strong> museu dos monstros nosso lugar, destacado, não é o primeiro.<br />

O progresso é nosso destino histórico; nada mais natural que nossa<br />

crítica seja uma crítica do progresso. Estamos condenados a criticar o<br />

progresso do mesmo modo que Platão e Aristófanes deviam criticar a<br />

democracia ateniense, o budismo o ser imóvel do brahamanismo e Laotsé<br />

a virtude e a sabedoria confucianas. A crítica do progresso se chama<br />

etnologia. Os estudos etnográficos nasceram no momento da expansão<br />

do Ocidente e assumiram imediatamente uma forma polêmica: defesa da<br />

humanidade dos indígenas, obstinadamente negada por seus<br />

“descobridores” e espoliadores, e crítica dos processos “civilizadores”<br />

dos europeus. Não é um acaso que os espanhóis e portugueses, aos quais<br />

corresponde a duvidosa glória de ter iniciado a conquista das novas<br />

terras, tenham direito a uma glória mais certa: ser os fundadores da<br />

etnografia. As descrições que os portugueses fizeram do sistema de<br />

castas em Travancore e <strong>ou</strong>tras regiões do sul da Índia, as dos jesuítas<br />

das civilizações da China e do Japão, e os textos dos espanhóis sobre as<br />

instituições e costumes dos índios americanos, são os primeiros estudos<br />

de etnografia e antropologia do mundo moderno. Em muitos casos,<br />

como no de Sahagún, esse método foi tão rigoroso e objetivo como o dos<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 58

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!