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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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América pelos espanhóis e portugueses, mas a sua significação é<br />

análoga: primeiro o templo-fortaleza (igreja <strong>ou</strong> mesquita) e depois as<br />

grandes obras civis e religiosas. A arquitetura obedece ao ritmo<br />

histórico: ocupação, conversão e organização. Não se esqueça, que as<br />

invasões dos muçulmanos no subcontinente indiano e a conquista da<br />

América foram empresas que libertaram uma parte da povoação<br />

indígena, oprimida pela <strong>ou</strong>tra: párias da Índia e, na América, povos<br />

submetidos ao Inca e aos cruéis astecas. Conquista e liberação são parte<br />

de um mesmo processo de conversão. Digo conversão porque os<br />

muçulmanos e seus discípulos portugueses e espanhóis não se<br />

propuseram recuperar o <strong>ou</strong>tro respeitando a sua <strong>ou</strong>tridade, como o<br />

antropólogo: queriam convertê-lo, modificá-lo. A humanização consistia<br />

em transformar o indígena infiel em irmão na fé. Os súditos de Babur e<br />

os de seu contemporâneo Carlos V, qualquer que fosse a sua situação<br />

social, pertenciam a uma mesma comunidade se a sua fé era a dos seus<br />

senhores. Mesquita e igreja eram, sobre a terra, a prefiguração do mais<br />

além: o lugar em que se anulam as diferenças de raça e hierarquia, o<br />

lugar em que se suprime a alteridade. Os muçulmanos e os ibéricos<br />

enfrentaram o problema da <strong>ou</strong>tridade * por meio da conversão; os<br />

europeus cristãos, pelo extermínio <strong>ou</strong> pela exclusão. Exemplos: a<br />

aniquilação dos aborígenes nos Estados Unidos e na Austrália. Na Índia,<br />

onde era impossível fisicamente a eliminação dos nativos, tamp<strong>ou</strong>co<br />

h<strong>ou</strong>ve evangelização e a população cristã não chega hoje a dez milhões,<br />

enquanto que são mais de cinqüenta os muçulmanos. 14 Comparando-se<br />

esses procedimentos com os dos astecas adverte-se uma diferença: nem a<br />

conversão à maneira muçulmana e hispano-portuguesa, nem exclusão <strong>ou</strong><br />

extermínio à maneira moderna, mas divinização. Sangüinários e<br />

filosóficos ao mesmo tempo, os astecas resolveram o problema da<br />

<strong>ou</strong>tridade pelo sacrifício dos prisioneiros de guerra. A destruição física<br />

*<br />

O autor utiliza-se, alternativamente, do neologismo otredad e do termo consagrado alteridad. Mantevese<br />

a distinção. (N. do T.).<br />

14 A matança dos índios na Argentina, Uruguai e Chile foi conseqüência de uma deliberada e irracional<br />

imitação dos procedimentos anglo-americanos: identific<strong>ou</strong>-se o progresso com o extermínio da população<br />

indígena e com a imigração européia. O teórico principal desta d<strong>ou</strong>trina foi Domingo Faustino<br />

Sarmiento, um dos homens de bem oficiais da América Latina. O lema “governar é povoar” despovo<strong>ou</strong><br />

esses três países.<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 60

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