PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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Este último fato é decisivo. A revolta contra a abundância – em oposição<br />
simétrica à dos países subdesenvolvidos, que é uma revolta contra a<br />
pobreza – é uma rebelião contra a idéia de progresso. Não é acidental a<br />
inclinação da juventude anglo-americana pelas drogas. O país da ação e<br />
bebidas fortes descobre de repente a sedução da contemplação e da<br />
imobilidade. O bêbado não é contemplativo nem passivo, mas discursivo<br />
e agressivo; o que ingere drogas escolhe a imoralidade e a introspecção.<br />
A bebedeira culmina no grito; a alucinação no silêncio. As drogas são<br />
uma crítica da conversação, da ação e da mudança, dos grandes valores<br />
do Ocidente e de seus herdeiros anglo-americanos. É prodigioso que a<br />
crise dos fundamentos da sociedade anglo-americana coincida com a sua<br />
máxima expressão imperial. É um gigante que caminha cada vez mais<br />
depressa sobre um fio cada vez mais delgado. 13<br />
A pluralidade de sociedades e civilizações provoca perplexidade.<br />
Diante dela há duas atitudes contraditórias: o relativismo (esta<br />
sociedade vale tanto quanto aquela) <strong>ou</strong> o exclusivismo (só há uma<br />
sociedade valiosa – geralmente a nossa). A primeira logo nos paralisa<br />
intelectual e moralmente: se o relativismo nos ajuda a compreender os<br />
<strong>ou</strong>tros, também nos impede de os valorizarmos e nos proíbe de<br />
transformá-los – a eles e à nossa própria sociedade. A segunda atitude<br />
não é menos falsa: como julgar os <strong>ou</strong>tros e onde está o critério universal<br />
13 Já escrito este livro, cheg<strong>ou</strong> às minhas mãos o excelente estudo que dedic<strong>ou</strong> às castas da índia o Senhor<br />
L<strong>ou</strong>is Dumont (Homo hierarchicus, Paris, 1966). o antropólogo francês rechaça a explicação<br />
historicista que aponto mas em compensação coincide comigo, até certo ponto, ao ver como uma espécie<br />
de oposição simétrica entre o sistema social hindu e o do Ocidente moderno: no primeiro, o elemento – se<br />
é que se pode falar de elemento – não é o indivíduo mas as castas e a sociedade concebida como relação, é<br />
hierárquica; no segundo, o elemento é o indivíduo e a sociedade é igualitária. Dediquei um longo<br />
comentário às idéias do Senhor Dumont em Corriente alterna (1967). <strong>No</strong> mesmo livro trato com maior<br />
amplitude o tema da oposição entre comunicação e meditação, bebedeira e drogas. Direi aqui apenas que<br />
as duas imagens mais significativas de nossa tradição são o Banquete platônico e a última Ceia de Cristo.<br />
Ambos são símbolos da comu nicação e ainda da comunhão; nas duas, o vinho ocupa um lugar central. O<br />
Oriente, pelo contrário, exalt<strong>ou</strong> sobretudo o ermitão: o recluso Gautama, o iogue à sombra do banianes<br />
<strong>ou</strong> na solidão de uma gruta. Pois bem, o alcoolismo é um exagero da comunicação; a ingestão de drogas,<br />
sua negação. O primeiro se insere na tradição do Banquete (o diálogo filosófico) e da comunhão (o<br />
mistério da eucaristia); as últimas, na tradição da contemplação solitária. <strong>No</strong>s países do Ocidente, as<br />
autoridades se preocupavam até p<strong>ou</strong>co tempo com os perigos sociais do alcoolismo; hoje começam a se<br />
alarmar com o uso, cada vez mais difundido, das substâncias alucinógenas. <strong>No</strong> primeiro caso, se trata de<br />
um abuso; no das drogas, de uma dissidência. Não é este um sintoma de uma mudança de valores no<br />
Ocidente, especialmente na nação mais adiantada e próspera: os Estados Unidos?<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 56