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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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epetição da antiga palavra do Iluminado e, simultaneamente, é uma<br />

palavra distinta e que só um homem do século XX poderia proferir. É a<br />

verdade do princípio, transfigurada por nossa história e que unicamente<br />

diante de nós se revela: o sentido é uma operação, uma relação.<br />

Combinação de chamadas e respostas psico-químicas <strong>ou</strong> de dharmas<br />

impermanentes e insubstanciais, o eu não existe. Existe um nós e seu<br />

existir é apenas um pestanejo, uma combinação de elementos que<br />

tamp<strong>ou</strong>co têm existência própria. Cada homem e cada sociedade estão<br />

condenados a “perfurar o muro da necessidade” e a cumprir o duro<br />

dever da história, sabendo que cada movimento de liberação os encerra<br />

ainda mais em sua prisão. Não há saída, não há <strong>ou</strong>tra margem? A<br />

“idade de <strong>ou</strong>ro está em nós” e é momentânea: esse instante<br />

incomensurável em que – quaisquer que sejam nossas crenças, nossa<br />

civilização e a época em que vivemos – nos sentimos não como um eu<br />

isolado nem como um nós extraviado no labirinto dos séculos mas como<br />

uma parte do todo, uma palpitação na respiração universal – fora do<br />

tempo, fora da história, imersos na luz imóvel de um mineral, no aroma<br />

branco de uma magnólia, no abismo encarnado e quase negro de uma<br />

amapola, no olhar, “grávido de paciência, serenidade e perdão recíproco<br />

que, às vezes, trocamos com um gato”. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> chama a esses<br />

instantes: despreendimento. Eu acrescentaria que são também um desconhecimento:<br />

dissolução do sentido no ser, embora saibamos que o ser é<br />

idêntico a nada.<br />

O Ocidente nos ensina que o ser se dissolve no sentido e o Oriente<br />

que o sentido se dissolve em algo que não é nem ser nem não ser: em um<br />

O Mesmo que nenhuma linguagem designa exceto a do silêncio. Pois nós,<br />

os homens, estamos feitos de tal modo que o silêncio também é<br />

linguagem para nós. A palavra do Buda tem sentido, embora afirme que<br />

nada o tem, porque aponta para o silêncio: se quisermos saber o que<br />

realmente disse devemos interrogar o seu silêncio. Pois bem, a<br />

interpretação do que não disse o Buda é o eixo da grande controvérsia<br />

que divide as escolas desde o princípio. A tradição conta que o<br />

Iluminado não respondeu a dez perguntas: o mundo é eterno <strong>ou</strong> não?, o<br />

mundo é infinito <strong>ou</strong> não?, corpo e alma são o mesmo <strong>ou</strong> são diferentes?,<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 80

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