PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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modelo. Tenho <strong>ou</strong>tra dúvida: as máquinas pensam mas não sabem que<br />
pensam; no dia em que cheguem a sabê-lo, continuarão sendo máquinas?<br />
Dir-me-ão que todos os homens, pelo único fato de falar, pensam, e, não<br />
obstante, só muito p<strong>ou</strong>cos e em ocasiões contadas se dão conta de que<br />
realizam uma operação mental cada vez que pronunciam uma palavra.<br />
Replico que basta que um só homem se dê conta de que pensa para que<br />
tudo mude: o que distingue o pensamento de toda <strong>ou</strong>tra operação mental<br />
é a sua capacidade de saber-se pensamento. Mal escrevo esta frase<br />
advirto nela certa inconsistência; minha idéia pressupõe algo que não<br />
provei e que não é fácil provar: um eu, uma consciência. Se o<br />
pensamento é o que se dá conta de que pensa – e não poderia ser de<br />
<strong>ou</strong>tro modo – estamos diante de uma propriedade geral do pensamento;<br />
portanto, se as máquinas pensam, um dia saberão que pensam. A<br />
consciência é ilusória e consiste em uma simples operação. 18 Reflito e<br />
arrisco <strong>ou</strong>tro comentário: a razão das máquinas é inflexível, infalível e<br />
irrebatível enquanto a nossa está sujeita a fraquezas, extravios e<br />
delírios. Como dizia Zamiatine: o homem é um enfermo e sua<br />
enfermidade se chama fantasia: “cada volta de um êmbolo é um<br />
imaculado silogismo, mas quem já viu uma roldana revirar-se na cama<br />
18 A concepção de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> recorda, por um lado, Hume; por <strong>ou</strong>tro, Buda. A semelhança com o<br />
budismo é extraordinária: “In Budism there is not percipient apart from perception, no consci<strong>ou</strong>s subject<br />
behind consci<strong>ou</strong>sness... The term subject must be understood no mean not the selfsame permanent<br />
consci<strong>ou</strong>s subject but merely a transitory state of consci<strong>ou</strong>sness. The object of Abhidhamma is to show<br />
that there is not s<strong>ou</strong>l or ego apart from the states of c<strong>ou</strong>nsci<strong>ou</strong>sness; but that each seemingly simple state<br />
is in reality a highly complex comp<strong>ou</strong>nd, constantly changing and giving rise to new combinations” (S. Z.<br />
Aung em sua Introdução a Abhidhammattha-Sangha, Pali Text Society. 1963). Apesar da<br />
semelhança entre o pensamento budista e o de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>, este último não aceita nem a renúncia<br />
ascética (parece-lhe egoísta) nem muito menos essa realidade indizível e indefinível, exceto em termos<br />
negativos, que chamamos Nirvana. Deve sentir-se mais longe ainda, suponho, dos pontos de vista do<br />
budismo Mahayana. Certo, a idéia de que todos os elementos (dharmas) são interdependentes não é<br />
distinta de sua concepção e tamp<strong>ou</strong>co o é ver neles simples nomes vazios de substância; em compensação,<br />
deduzir desse relativismo um absoluto de certo modo inefável, deve provocar-lhe certa repugnância<br />
intelectual. O paradoxo do budismo não consiste em ser uma filosofia religiosa mas em ser uma religião<br />
filosófica: reduz a realidade a um fluir de signos e nomes mas afirma que a sabedoria e a santidade (uma<br />
só e mesma coisa) reside no desaparecimento dos signos. “Os signos do Tathagatta”, diz o sutra<br />
Vagrakkhedika, “são os não-signos”. Direi, por último, que não é acidental a semelhança entre o budismo<br />
e o pensamento de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>: é mais uma prova de que o Ocidente, por seus próprios meios e pela<br />
própria lógica de sua história, chega agora a conclusões fundamentalmente idênticas às que haviam<br />
chegado Buda e seus discípulos. O pensamento humano é uno e devemos a <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> – entre <strong>ou</strong>tras<br />
muitas coisas – haver demonstrado que a razão do primitivo <strong>ou</strong> a do oriental não é menos rigorosa do<br />
que a nossa.<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 71