PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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de simetria inversa, não só no espaço como no tempo: o subcontinente<br />
índio é o ponto de convergência real, histórico, entre a área mongolóide e<br />
a indo-européia, do mesmo modo que o continente americano seria o<br />
ponto de coincidência, não-histórico, entre ambas. Outra relação<br />
contraditória: o sistema mitológico indo-europeu predomina na índia,<br />
enquanto que a mitologia americana possui a mesma origem da<br />
mongolóide. A mediação indo-ária carrega o acento no indo-europeu; a<br />
americana, no mongolóide. <strong>No</strong> caso da América, as perspectivas desta<br />
suposição são portentosas, já que os indo-americanos ignoraram de todo<br />
os sistemas míticos das <strong>ou</strong>tras duas áreas. À maneira de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> se<br />
poderia dizer que as civilizações se comunicam entre si sem que aqueles<br />
que as elaboram se dêem conta. A universalidade da razão – uma razão<br />
maior que a razão crítica – ficaria demonstrada pela ação de um<br />
pensamento que ainda há p<strong>ou</strong>co chamamos de irracional <strong>ou</strong> pre-lógico.<br />
Não sei se <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> aprovaria de todo esta interpretação de<br />
seu pensamento. Eu mesmo julgo-a apressa da. Em Tristes tropiques e<br />
n<strong>ou</strong>tras obras alude ao problema das relações entre Ásia e América e se<br />
inclina por uma idéia cada vez mais popular entre os estudiosos: a<br />
indubitáveis analogias entre certos traços da civilização americana, da<br />
China e do sudeste da Ásia, só podem ser conseqüência de imigrações e<br />
contatos culturais entre ambos os continentes. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> vai mais<br />
longe e aventura a existência de um triântico subártico que uniria a<br />
Escandinávia e o Labrador com o norte da América e a este com a China<br />
e o sudeste asiático. Esta circunstância, diz, tornaria mais compreensível<br />
o estreito “parentesco do ciclo do Graal com a mitologia dos índios da<br />
América setentrional”: os celtas e a civilização escandinava subártica<br />
teriam sido os transmissores. É estranho que apele para a história a fim<br />
de explicar estas analogias: toda a sua tentativa se dirige antes a ver<br />
neste tipo de coincidência não a conseqüência da história mas de uma<br />
operação do espírito humano. Seja como for, não creio traí-lo se afirmo<br />
que a sua obra tenta resolver a heterogeneidade das histórias<br />
particulares em uma estrutura atemporal. Às pretensões da história<br />
universal, que inutilmente tenta reduzir a pluralidade das civilizações a<br />
uma só direção ideal – ontem encarnada na Providência e hoje<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 29