PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
3. INTERMÉDIO DISCORDANTE.<br />
DEFESA DE UMA CINDERELA E OUTRAS DIVAGAÇõES. UM<br />
TRIANGULO VERBAL: MITO, ÉPICA E POEMA.<br />
Le cru e le cuit é um livro de antropologia que adota a forma de<br />
um concerto. Não é a primeira vez que uma obra literária se serve de<br />
termos e formas musicais, embora, de modo geral, tenham sido os poetas<br />
a se servirem da música e não os homens de ciência. Certo, desde<br />
Apollinaire e Picasso a relação entre poesia e pintura foi mais íntima do<br />
que a entre poesia e música. Creio que agora a relação está a ponto de<br />
mudar, tanto pela evolução da música contemporânea como pelo<br />
renascimento da poesia oral. Ambas, música e poesia, encontrarão nos<br />
novos meios de comunicação um terreno de união. Além disso, vários<br />
poetas modernos – Mallarmé, Eliot e, entre nós, José Gorostiza – deram<br />
às suas criações uma estrutura musical, enquanto <strong>ou</strong>tros – Valéry,<br />
Pellicer, Garcia Lorca – acentuaram a relação entre poesia e dança. Por<br />
sua vez os músicos e os dançarinos sempre viram nas formas poéticas<br />
um modelo <strong>ou</strong> arquétipo de suas criações. O parentesco entre poesia,<br />
música e dança é natural: as três são artes temporais. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong><br />
justifica a forma de seu livro pela índole da matéria que estuda e pela<br />
própria natureza de seu método de interpretação: acredita que existe<br />
uma verdadeira analogia; não, como seria de esperar, entre a poesia e o<br />
mito, mas entre o mito e a música. E mais ainda: na esfera da análise dos<br />
mitos se apresentam “problemas de construção para os quais a música<br />
já invent<strong>ou</strong> soluções”. Deixo de lado esta afirmação enigmática e me<br />
limitarei a discutir as razões que o levam a postular uma relação<br />
particular entre o pensamento mítico e o musical.<br />
O fundamento de sua demonstração se condensa nesta frase:<br />
“Música e mito são linguagens que transcendem, cada um à sua<br />
maneira, o nível da linguagem articulada”. Esta afirmação provoca<br />
imediatamente duas observações. Em primeiro lugar, a música não<br />
transcende a linguagem articulada pela simples razão de que o seu<br />
_______________________________________________________<br />
<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 35