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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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suas ordens, espécies, famílias e raças. Os indivíduos são prisioneiros de<br />

sua casta; prisioneiros e usufrutuários. Vida fetal, pois nada se parece<br />

mais com a casta do que um ventre maternal. Talvez isto explique o<br />

narcisismo hindu, * o amor de sua arte pelas curvas e de sua literatura<br />

pelos labirintos, a feminilidade de seus deuses e a masculinidade de suas<br />

deusas, sua concepção do templo como uma matriz e o que chamaria<br />

Freud a perversidade infantil polimórfica dos jogos eróticos de suas<br />

divindades e ainda de sua música. Pergunto-me se a noção psicológica<br />

conhecida como “complexo de Édipo” é inteiramente aplicável à Índia;<br />

não é o desejo de regressar à mãe mas a impossibilidade de sair dela o<br />

que, a meu ver, caracteriz<strong>ou</strong> o hindu. Foi sempre assim <strong>ou</strong> esta situação<br />

e o resultado da agressão exterior que obrig<strong>ou</strong> a civilização indiana a<br />

dobrar-se sobre si mesma? Por desdém <strong>ou</strong> por medo, abstraído <strong>ou</strong><br />

contraído, o hindu tem sido insensível, à sedução dos países estranhos:<br />

não busc<strong>ou</strong> o desconhecido lá fora mas em si mesmo. Entre certas<br />

castas, a proibição de viajar por mar era explícita e terminante. Não<br />

obstante, no passado os hindus foram grandes marítimos e os<br />

monumentos mais belos do período Pallava – um dos grandes presentes<br />

da arte indiana à escultura mundial – encontram-se precisamente em um<br />

porto, Mallapuram, que hoje é uma aldeia de pescadores.<br />

O indivíduo não pode sair de sua casta mas as castas podem<br />

mudar de posição, ascender <strong>ou</strong> descer. 12 A mobilidade social se realiza<br />

por um canal duplo. Um, individual e ao alcance de todos, é a renúncia<br />

ao mundo, a vida vagabunda de um monge budista e do sanayasi hindu<br />

<strong>ou</strong>tro, coletivo, é o lento e imperceptível movimento das castas, em torno<br />

e em direção a esse centro vazio que e o coração do hinduísmo: a vida<br />

contemplativa. Converter a sociedade histórica em urna sociedade<br />

natural e a natureza em um jogo filosófico, em uma meditação do uno<br />

sobre a irrealidade da pluralidade, é uma tentativa grandiosa – talvez o<br />

sonho mais ambicioso e coerente que o homem tenha sonhado. Mas a<br />

história, como se se tratasse de uma vingança, encarniç<strong>ou</strong>-se contra a<br />

* O autor usa, com freqüência, hindu, ao invés de indiano, embora o último seja o gentílico da Índia.<br />

Mantém-se, contudo, o original. (N. do T.)<br />

12 J. H. HUTTON. Caste in India, Londres, 1963.<br />

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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 54

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