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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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mesma operação; depois de escrito o poema, o poeta fica só e são os<br />

<strong>ou</strong>tros, os leitores, os que se recriam a si mesmos ao recriar o poema. A<br />

experiência da criação se reproduz em sentido inverso: agora o poema se<br />

abre diante do leitor. Ao penetrar nessas galerias transparentes,<br />

desprende-se de si mesmo e se interna no “<strong>ou</strong>tro ele mesmo”, até então<br />

desconhecido. O poema nos abre ao mesmo tempo as portas da<br />

estranheza e do reconhecimento: eu s<strong>ou</strong> esse, eu estive aqui, esse mar me<br />

conhece, eu te conheço, em teus pensamentos vejo a minha imagem<br />

repetida mil vezes até a incandescência... O poema é um mecanismo<br />

verbal que produz significados só e graças a um leitor <strong>ou</strong> um <strong>ou</strong>vinte que<br />

o coloca em movimento. O significado do poema não está no que quis<br />

dizer o poeta mas no que diz o leitor por meio do poema. O leitor é este<br />

“silencioso executante” de que fala <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>. É um fenômeno comum<br />

a todas as artes: o homem se comunica consigo mesmo, se descobre e se<br />

inventa, por meio da obra de arte.<br />

Se os mitos “não têm autor e existem apenas encarnados em uma<br />

tradição”, o problema que a música apresenta é mais grave: tem um<br />

autor mas ignoramos como se escrevem as obras musicais. “Não<br />

sabemos nada das condições mentais da criação musical”: por que só<br />

alguns secretam música e são inumeráveis os que a amam? Esta<br />

circunstância e o fato de que “entre todas as linguagens só a musical<br />

seja inteligível e intraduzível”, convertem o compositor “em um ser<br />

semelhante aos deuses e a própria música no mistério supremo das<br />

ciências humanas – um mistério que resiste às mesmas e que guarda as<br />

chaves de seu progresso”. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> chama os aficcionados da<br />

pintura de “fanáticos”; este parágrafo é um exemplo de como o<br />

fanatismo, agora musical, ajudado pela fatal tendência à eloqüência das<br />

línguas latinas, pode extraviar os espíritos mais altos. O mistério da<br />

criação musical não é mais recôndido nem mais tenebroso do que o<br />

mistério da criação pictórica, poética <strong>ou</strong> matemática. Ainda não<br />

sabemos porque alguns homens são Newton e <strong>ou</strong>tros Ticiano. O próprio<br />

Freud disse que p<strong>ou</strong>co <strong>ou</strong> nada sabia do processo psicológico da criação<br />

artística. A diferença numérica entre os criadores de obras musicais e os<br />

aficcionados da música se repete em todas as artes e ciências: nem todos<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 41

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