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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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as quais cada sociedade extrai um número pertinente de<br />

acontecimentos”; pelo que diz respeito à música, cada sistema musical<br />

escolhe uma gama entre a série de sons fisicamente realizáveis. quase<br />

desnecessário observar que o mesmo acontece com a dança: cada sistema<br />

seleciona, dentro dos movimentos do corpo humano e mesmo dos<br />

animais, alguns que constituem o seu vocabulário. A dança de Kerala<br />

(katakali) serve-se de uma gama mímica, enquanto que na européia há<br />

uma espécie de sintaxe do salto e da contorsão. Na poesia sânscrita se<br />

l<strong>ou</strong>va a graça elefantina das bailarinas e no Ocidente o cisne e <strong>ou</strong>tras<br />

aves são os modelos de comparação da dança. Na poesia o contínuo<br />

sonoro da fala se reduz a alguns metros e é sabido que cada língua<br />

prefere apenas um <strong>ou</strong> dois: o octossílabo e o hendecassílabo em espanhol,<br />

alexandrino e eneassílabo em francês. Não é apenas isto: cada sistema<br />

de versificação adota um método distinto para constituir o seu cânone<br />

métrico: versificação quantitativa na antigüidade greco-romana, silábica<br />

nas línguas românicas e acentuai nas germânicas. Como a clave sonora<br />

é também semântica, cada sistema é composto por uma série de regras<br />

estritas que operam no nível semântico como a versificação no sonoro. A<br />

arte de versificar é uma arte de dizer que não combina todos os<br />

elementos da linguagem, mas um grupo reduzido. Enfim, mitos e poemas<br />

se assemelham de tal modo que não só os primeiros empregam com<br />

freqüência as formas métricas e os procedimentos retóricos da poesia<br />

como a própria matéria dos mitos – “os acontecimentos” a que alude<br />

<strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> – são também matéria de poesia. Aristóteles chama mitos<br />

aos argumentos <strong>ou</strong> histórias das tragédias. Ao escrever a Fábula de<br />

Polifemo y Galatea, Góngora não só nos presente<strong>ou</strong> com um poema<br />

que ocupa na poesia do século XVII o lugar que Un c<strong>ou</strong>p de dés ocupa<br />

na do século XX, como nos ofereceu uma nova versão do mito do cíclope.<br />

O “contínuo interno” reside no tempo psicofisiológico do <strong>ou</strong>vinte.<br />

A longitude da narrativa, a recorrência dos temas, as surpresas,<br />

paralelismos, associações e ruptu ras provocam no auditório reações de<br />

ordem psíquica e fisiológica, respostas mentais e corporais: o interesse<br />

do mito é “palpitante”. A música afeta de maneira ainda mais<br />

acentuada nosso sistema visceral: carreira, salto, imobilidade, encontro,<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 39

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