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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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modernos antropólogos que hoje percorrem o mundo providos de<br />

magnetofones e <strong>ou</strong>tros aparelhos.<br />

<strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> diz que a etnografia é a expressão dos “remorsos” do<br />

Ocidente. Não sei se observ<strong>ou</strong> a origem cristã deste sentimento. A crítica<br />

dos excessos do progresso é uma crítica do poder e dos poderosos. O<br />

cristianismo foi o primeiro que se atreveu a criticar o poder e exaltar os<br />

humildes. Nietzsche diz que o cristianismo, justamente por ser uma<br />

moral do ressentimento, afin<strong>ou</strong> nossa psicologia e invent<strong>ou</strong> o exame de<br />

consciência, essa operação que serve ao homem para julgar-se e<br />

condenar-se. A introspecção é uma invenção cristã e termina sempre<br />

com um juízo moral, não sobre os <strong>ou</strong>tros mas sobre si mesmo.O exame<br />

de consciência consiste em pôr-se no lugar dos <strong>ou</strong>tros, ver-se na situação<br />

do humilhado <strong>ou</strong> do vencido: o <strong>ou</strong>tro. É uma tentativa para nos<br />

reconhecermos no <strong>ou</strong>tro e, assim, recuperarmos a nós mesmos. O<br />

cristianismo descobriu o <strong>ou</strong>tro e ainda mais: descobriu que o eu só vive<br />

em função do tu. A dialética cristã do exame de consciência é repetida<br />

pela etnografia não na esfera individual, mas na social; reconhecer no<br />

<strong>ou</strong>tro um ser humano e reconhecemos a nós mesmos não na semelhança<br />

mas na diferença. Ademais, sem o cristianismo a idéia retilínea do tempo<br />

(a história) não haveria nascido. Devemos a essa religião do progresso<br />

seus excessos e seus remorsos: a técnica, o imperialismo e a etnografia.<br />

Há um aspecto central da dominação hispano-portuguesa que me<br />

interessa destacar. A política ibérica no <strong><strong>No</strong>vo</strong> Mundo reproduz ponto<br />

por ponto a dos muçulmanos na Ásia Menor, Índia, no <strong>No</strong>rte da África<br />

e na própria Espanha: a conversão, seja por bem, seja a sangue e fogo.<br />

Embora pareça estranho, a evangelização da América foi uma empresa<br />

de estilo e inspiração maometanos. O furor destruidor dos espanhóis tem<br />

a mesma origem teológica que o dos muçulmanos. Ao contemplar no<br />

norte da Índia as estátuas desfiguradas pelo Islã, recordei<br />

imediatamente as queimas de códices no México. A paixão construtora<br />

de uns e <strong>ou</strong>tros não foi menos intensa que a sua raiva destruidora e<br />

obedeceu à mesma razão religiosa. Os monumentos deixados pelos<br />

muçulmanos na Índia não se parecem com os que foram levantados na<br />

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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 59

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