PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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e eterno que poderia nos autorizar a decretar que esta sociedade é boa e<br />
aquela é má? Descendente de Montaigne e R<strong>ou</strong>sseau, de Sahagún e de<br />
Las Casas, a solução de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> é a boa: respeitar os <strong>ou</strong>tros e<br />
transformar os seus, compreender o estranho e criticar ó próprio. Esta<br />
crítica culmina na idéia central que inspira nossa sociedade: o progresso.<br />
A etnografia nasceu quase ao mesmo tempo que a idéia de historia<br />
concebida como progresso ininterrompido; não é estranho que seja ao<br />
mesmo tempo a conseqüência do progresso e a crítica do progresso. É<br />
claro, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> não o nega: situa em seu contexto histórico o mundo<br />
do Ocidente moderno e assinala que não é uma lei histórica universal<br />
nem um critério de valor aplicável a todas as sociedades.<br />
Em geral o progresso se mede pelo domínio sobre a natureza, isto<br />
é, pela quantidade de energia de que dispomos. Se a ciência e a<br />
tecnologia fossem o critério decisivo, uma civilização como a<br />
mesoamericana, que não ultrapass<strong>ou</strong> o Neolítico no que toca aos<br />
utensílios, não mereceria sequer o nome de civilização. Não obstante, os<br />
mesoamericanos não só nos deixaram uma arte, uma poesia e uma<br />
cosmologia complexas e refinadas como realizaram proezas notáveis no<br />
domínio da técnica, sobretudo na agricultura. <strong>No</strong> da ciência<br />
descobriram o conceito do zero e elaboraram um calendário mais<br />
perfeito, exato e racional que o dos europeus. Se da técnica passamos à<br />
moral, a comparação seria ainda mais desvantajosa para nós: somos<br />
mais sensíveis, mais honrados <strong>ou</strong> mais inteligentes que os selvagens?<br />
<strong>No</strong>ssas artes são melhores que as dos egípcios <strong>ou</strong> dos chineses e nossos<br />
filósofos são superiores a Platão <strong>ou</strong> a Nagarjuna? Vivemos mais anos<br />
que um primitivo mas nossas guerras causam mais vítimas que as pestes<br />
medievais. Embora a mortalidade infantil tenha diminuído, aumenta dia<br />
a dia o número de indigentes – não nos países industriais mas nos que<br />
chamamos por eufemismo subdesenvolvidos e que constituem a terça<br />
parte da humanidade. Dir-se-á que tudo isto são lugares-comuns. São.<br />
Também a idéia de progresso se torn<strong>ou</strong> um lugar-comum.<br />
O melhor e o pior que se pode dizer do progresso é que<br />
transform<strong>ou</strong> o mundo. A frase se pode inverter: o melhor e o pior que se<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 57