PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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hoje inaceitáveis para a ciência, como já o demonstr<strong>ou</strong>, entre <strong>ou</strong>tros, o<br />
próprio Sartre. 16 A dialética materialista carece de fundamento e não<br />
possui um sistema de referência que permita compreendê-la e,<br />
literalmente, medi-la. A ciência contemporânea admite que o observador<br />
altera o fenômeno mas sabe que o altera e pode calcular essa alteração.<br />
Se não fosse assim, não haveria observação nem determinação do<br />
fenômeno. Em verdade, desapareceria a própria noção de fenômeno<br />
objetivo. Poderia replicar-se que o ponto de referência do marxismo é o<br />
salto dialético: graças à negação podemos compreender a afirmação.<br />
Seria uma operação “progressivo-regressiva”, para empregar o<br />
vocabulário de Sartre: a razão dialética compreende a analítica e assim<br />
a salva. Observo que a salva só para dissolvê-la, do mesmo modo que a<br />
negação ilumina a afirmação só para apagá-la melhor. Se a dialética<br />
pretende encontrar seu fundamento não antes mas depois do salto,<br />
tropeça com esta dificuldade: esse depois se transforma imediatamente<br />
em um antes. A dialética nos parecia um movimento e agora se converte<br />
em um frenesi imóvel. Em suma, a crítica de Sartre é uma arma de dois<br />
gumes: resolve a contradição entre matéria e dialética em benefício da<br />
segunda. O materialismo cessa de ser um materialismo e a dialética se<br />
converte em uma alma penada em busca de seu corpo, em busca de seu<br />
fundamento.<br />
<strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> assinala que Sartre converte a história em um refúgio<br />
da transcendência e que, portanto, é culpável do delito de idealismo.<br />
Talvez esteja certo, mas com uma ressalva: seria uma transcendência<br />
que se destrói a si mesma porque cada vez que se transcende, se anula.<br />
Por sua vez Sartre está certo quando diz que a dialética transcende a<br />
razão analítica. O que ocorre é que, ao transcendê-la, ela própria se<br />
anula como razão. Para restaurar sua dignidade racional, a dialética<br />
deveria realizar uma operação incompatível com a sua natureza:<br />
comparecer diante do juízo da razão analítica. Algo impossível porque,<br />
como se viu, a razão analítica não compreende a linguagem da dialética:<br />
carece de dimensão histórica tal como a dialética carece de fundamento.<br />
16 Veja-se a nota de Maximilien Rubel ao posfácio de Marx à segunda edição alemã de O capital<br />
(Oeuvres de Karl Marx, primeiro volume, coleção de La Pléiade). Também o ensaio de Kostas<br />
Papaioann<strong>ou</strong>: “Le mythe de la dialectique” (Contrat social, número de set-<strong>ou</strong>t. 1963).<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 68