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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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análoga à dos executantes de uma sinfonia que estivessem<br />

incomunicados e separados pelo tempo e pelo espaço: cada um tocaria o<br />

seu fragmento como se fosse a obra completa. Nenhum deles poderia<br />

escutar o concerto porque para <strong>ou</strong>vi-lo teria que estar fora do círculo,<br />

longe da orquestra. <strong>No</strong> caso da mitologia americana esse concerto<br />

começ<strong>ou</strong> há milênios e hoje umas p<strong>ou</strong>cas comunidades dispersas e<br />

agonizantes repetem os últimos acordes. Os leitores de Le cru et le<br />

cuit são os primeiros que escutam essa sinfonia e os primeiros que<br />

sabem que a escutam. Mas, será que a <strong>ou</strong>vimos realmente? Escutamos<br />

uma tradução <strong>ou</strong>, mais exatamente, uma transmutação: não o mito, mas<br />

<strong>ou</strong>tro mito. Nisto consiste o paradoxo do livro de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> e o<br />

paradoxo do mito. A razão é a seguinte: embora a linguagem do mito,<br />

diferentemente da poesia, seja facilmente traduzível a qualquer idioma, o<br />

verdadeiro discurso mítico é, como a música, intraduzível. <strong>No</strong> mito,<br />

conforme já disse, a linguagem articulada desempenha a mesma função<br />

que o sistema fonológico no discurso comum: o mito serve-se das<br />

palavras como nós, ao falarmos, nos servimos dos fonemas. Portanto, a<br />

linguagem do mito, a história contada com palavras, é uma estrutura<br />

inconsciente e pré-significativa sobre a qual se edifica o verdadeiro<br />

discurso mítico. Por isso <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> afirma que há uma relação de<br />

verdadeiro parentesco entre o mito e a música, e não entre aquele e a<br />

poesia. A diferença desta última, o mito pode ser traduzido sem que<br />

nada de apreciável se perca na tradução; à semelhança da primeira, o<br />

discurso mítico constitui uma linguagem própria e intraduzível. A meu<br />

ver esta analogia não é perfeita: se no mito há dois níveis, um<br />

propriamente lingüístico e <strong>ou</strong>tro paralingüístico, na música não<br />

encontramos o primeiro nível. Em troca, em seu primeiro nível mito e<br />

poema estão construídos de palavras e no segundo os dois são objetos<br />

verbais, um feito de mitemas e <strong>ou</strong>tro de metáforas e equivalências.<br />

Voltarei a isto e examinarei ponto por ponto as razões que movem <strong>Lévi</strong>-<br />

<strong>Strauss</strong> a sustentar a singular identidade entre música e mito.<br />

Le cru et le cuit é apenas o começo de uma tarefa vastíssima:<br />

determinar a sintaxe da mitologia do continente americano. <strong>Lévi</strong>-<br />

<strong>Strauss</strong> rechaça o método da re construção histórica não só por razões<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 27

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