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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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perguntar. O conflito entre a autoctonia e a origem real, sexual, dos<br />

homens, exige uma solução inversa. A existência da esfinge (autoctonia)<br />

implica a desvalorização dos laços consangüíneos (parricídio) ; o<br />

desaparecimento do monstro, o exagero dos mesmos laços (incesto).<br />

Embora <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> se abstenha de estudar os mitos das civilizações<br />

históricas (o mito de Édipo é antes uma ilustração de suas idéias do que<br />

um estudo de mitologia grega), observo que a mesma lógica se<br />

desenvolve no mito de Quetzalcoatl. Diversos investigadores dedicaram<br />

notáveis estudos ao tema e mal se faz necessário recordar, por exemplo,<br />

a brilhante interpretação de Laurette Sej<strong>ou</strong>rné. Não obstante, o método<br />

de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> oferece a possibilidade de estudar o mito mais como uma<br />

operação mental que como uma projeção histórica. Os elementos<br />

históricos não desaparecem, mas ficam integrados nesse sistema de<br />

transformações que abarca desde os sistemas de parentesco e as<br />

instituições políticas até a mitologia e as práticas rituais. Advirto que o<br />

estruturalismo não pretende explicar a história: o acontecimento, o<br />

suceder, é um domínio que não toca; contudo, do ponto de vista da<br />

antropologia, tal como a concebe <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>, a história é apenas uma<br />

das variantes da estrutura. O mito de Quetzalcoatl é um produto<br />

histórico – seja <strong>ou</strong> não histórica a sua personagem central – na medida<br />

em que é uma criação religiosa de uma sociedade secreta; ao mesmo<br />

tempo, é uma operação mental sujeita à mesma lógica dos <strong>ou</strong>tros mitos<br />

– sem excluir os mitos modernos, como o da Revolução. Apenas limitarme-ei<br />

aqui a assinalar certos traços e elementos significativos:<br />

Tezcatlipoca, deus coxo e senhor de magos e feiticeiros, intimamente<br />

associado ao mito dos sacrifícios humanos, tenta Quetzalcoatl e leva-o a<br />

cometer o duplo pecado de adultério e incesto (Quetzalcoatl se embebeda<br />

e deita-se com sua irmã). Ao inverso do que ocorre com Édipo, salvador<br />

de Tebas ao decifrar o enigma da esfinge, Quetzalcoatl é vítima do<br />

engano do feiticeiro, e assim perde o seu reino e ocasiona a perda de<br />

Tula. Os astecas, que se consideraram sempre os herdeiros da grandeza<br />

de Tula, representaram <strong>ou</strong>tra vez o mito de Quetzalcoatl (quero dizer:<br />

celebraram-no, viveram-no) no momento da conquista espanhola, só que<br />

ao inverso. Talvez o mito de Quetzalcoatl, caso se consiga decifrar a sua<br />

estrutura, possa nos dar a chave dos mistérios da história antiga do<br />

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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 22

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