PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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O materialismo de Freud e o de Marx não suprimem a idéia de<br />
finalidade: situam-na em um nível mais profundo que o da consciência e<br />
assim a fortificam. Alheia à consciência, esta finalidade é efetivamente<br />
uma força irrebatível. Ao mesmo tempo, Marx e Freud oferecem uma<br />
solução: mal o homem se dá conta das forças que o movem, está apto,<br />
senão a ser livre, pelo menos para estabelecer uma certa harmonia entre<br />
o que é realmente e o que pensa ser. Esta consciência é um saber ativo:<br />
para Marx, prometéico e heróico, é a atividade social, a práxis<br />
consciente de si mesma, que transformam o homem e o mundo; para o<br />
pessimista Freud é o equilíbrio, continuamente rompido, entre desejo e<br />
repressão. Assim pois a diferença entre estas duas concepções do<br />
inconsciente e a de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> reside em que, no primeiro caso, o<br />
homem acede ao conhecimento de um inconsciente ativo e senhor de<br />
uma finalidade, enquanto que, no segundo, contempla um mecanismo<br />
que não conhece <strong>ou</strong>tra atividade senão a repetição e que carece de<br />
finalidade. É um saber do vazio.<br />
Em seu comentário a Les structures élémentaires de la<br />
parente, citado no princípio destas páginas, Georges Bataille lamentava<br />
que <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> mal tocasse no tema da relação entre o intercâmbio de<br />
mulheres e o erotismo. A dualidade proibição e doação aparece também<br />
neste último: é uma espécie de oscilação entre horror e atração que se<br />
resolve sempre em violência, seja interior (renúncia) <strong>ou</strong> exterior<br />
(agressão). O jogo passional constitui o específico do fenômeno embora<br />
<strong>ou</strong>tras circunstâncias – econômicas, religiosas, políticas, mágicas –<br />
concorram também para determiná-lo. Em <strong>ou</strong>tras palavras, Bataille<br />
pedia que o tabu do incesto e sua contrapartida, as regras do parentesco<br />
e do matrimônio, se explicassem não só como uma forma de doação,<br />
uma expressão particular da teoria da circulação de bens e signos, mas<br />
por aquilo que os distingue dos <strong>ou</strong>tros sistemas de comunicação. Direi<br />
mais: o erotismo é comunicação mas os seus elementos específicos, à<br />
parte o fato de que o isolam e o opõem às <strong>ou</strong>tras formas de intercâmbio,<br />
anulam a própria noção de comunicação. Por exemplo, dizer que o<br />
matrimônio é uma relação entre signos que designam nomes (classes e<br />
linhagens) e valores (prestações, filhos, etc.), é omitir aquilo que o<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 73