15.04.2013 Views

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Ao mostrar a relação entre os mitos Bororo e Gê, o antropólogo<br />

francês descobre que todos eles têm como tema, nunca explícito, a<br />

oposição entre o cru e o cozido, a natureza e a cultura. Os mitos do<br />

jaguar e do porco selvagem, associados aos da origem da planta do<br />

tabaco, aludem à descoberta do fogo e à cozedura dos alimentos. Por<br />

meio do sistema de permutações que descrevi acima de forma sumária e<br />

grosseira, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> passa em revista 187 mitos nos quais se repete<br />

esta dialética de oposição, mediação e transformação. Um após <strong>ou</strong>tro,<br />

em uma espécie de dança – poesia e matemática – se sucedem os<br />

símbolos contraditórios: o contínuo e o descontínuo, a vida breve e a<br />

imortalidade, a água e os ornamentos funerários, o fresco e o<br />

corrompido, a terra e o céu, o aberto e o fechado – as aberturas do corpo<br />

humano convertidas em um sistema simbólico da ingestão e da dejeção –<br />

a rocha e o lenho apodrecido, o canibalismo e o vegetarianismo, o<br />

incesto e o parricídio, a caça e a agricultura, a fumaça e o trovão... Os<br />

cinco sentidos se transformam em categorias lógicas e a esta chave da<br />

sensibilidade se superpõe uma astronômica que se transforma em <strong>ou</strong>tra<br />

construída da oposição entre ruído e silêncio, fala e canto. Todos esses<br />

mitos são metáforas culinárias, mas por sua vez a cozinha é um mito,<br />

uma metáfora da cultura.<br />

Três símbolos me chamaram a atenção: o arco-íris, a doninha e o<br />

veneno para a pesca. Os três são mediadores entre a natureza e a<br />

cultura, o contínuo e o descontínuo, a vida e a morte, o cru e o podre. O<br />

arco-íris significa o fim da chuva e a origem da enfermidade; de ambas<br />

as maneiras é um mediador: no primeiro aspecto porque é um emblema<br />

da conjunção benéfica entre céu e terra e no segundo porque encarna a<br />

fatal transição entre a vida e a morte. O arco-íris é um homólogo da<br />

doninha, animal lascivo e pestilento: um atributo a liga com a vida e<br />

<strong>ou</strong>tro com a morte (putrefação). O timbó é um veneno que os índios<br />

usam para pescar e assim é uma substância natural utilizada em uma<br />

atividade cultural ambígua (pesca e caça são transformações da guerra).<br />

<strong>No</strong>s três símbolos a ruptura <strong>ou</strong> descontinuidade essencial entre natureza<br />

e cultura, cujo exemplo máximo e central é a cozinha, se adelgaça e se<br />

atenua. Seu caráter equívoco não provém só do fato de serem<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!