PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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ealidade pré-histórica: os caçadores do Paleolítico deixaram uma arte<br />
extraordinária, mas aquela sociedade não é certamente um modelo ideal.<br />
Em compensação, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> acredita que o período Neolítico –<br />
precisamente antes da invenção da escritura, da metalurgia e do<br />
nascimento da civilização urbana com as suas massas envilecidas e seus<br />
monarcas e sacerdotes sangrentos – é o que mais se aproxima da nossa<br />
idéia de uma idade de <strong>ou</strong>ro. Os homens do Neolítico – segundo Gordon<br />
Childe: provavelmente as mulheres – inventaram as artes e ofícios que<br />
são o fundamento de toda vida civilizada: a cerâmica, os tecidos, a<br />
agricultura e a domesticação dos animais. Estas descobertas são<br />
decisivas e talvez sejam superiores às realizadas nos últimos seis mil<br />
anos de história. Confirma-se assim aquilo que apontei mais acima: o<br />
pensamento selvagem não resulta inferior ao nosso nem pela finura de<br />
seus métodos nem pela importância de suas descobertas. Outro ponto a<br />
favor do Neolítico: nenhuma de suas invenções é nociva. Não se pode<br />
dizer o mesmo das sociedades históricas. Sem pensar no ininterrupto<br />
progresso na arte de matar, já se refletiu sobre a função ambivalente da<br />
escritura? Sua invenção coincide com o aparecimento dos grandes<br />
impérios e com a construção de obras monumentais. Em uma passagem<br />
impressionante <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> demonstra que a escritura foi propriedade<br />
de uma minoria e que não serviu tanto para comunicar o saber como<br />
para dominar e escravizar os homens. Não foi a letra, mas imprensa que<br />
libert<strong>ou</strong> os homens. Liber<strong>ou</strong>-os da superstição da palavra escrita.<br />
Acrescentarei que, na realidade, não foi a imprensa a libertadora, mas a<br />
burguesia, que se serviu desta invenção para romper o monopólio do<br />
saber sagrado e divulgar um pensamento crítico. A idéia de Marshall<br />
McLuhan, que atribui à imprensa a transformação do Ocidente, é<br />
infantil: não são as técnicas, mas a conjugação de homens e<br />
instrumentos que transformam uma sociedade.<br />
Em <strong>ou</strong>tro ensaio ocupei-me da expressão escrita em relação com a<br />
verbal: a escritura desnaturaliza o diálogo entre os homens. 15 Embora o<br />
leitor possa concordar <strong>ou</strong> discordar, falta-lhe o direito de interrogar o<br />
15 Los signos en rotación, Buenos Aires, 1965, (Trad. bras.: Signos em Rotação, São Paulo,<br />
Perspectiva, 1972.)<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 62