PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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autor e de ser escutado por este, Poesia, filosofia e política – as três<br />
atividades nas quais a fala desenvolve todos os seus poderes – sofrem<br />
uma espécie de mutilação. Se é verdade que graças à escritura dispomos<br />
de uma memória objetiva universal, também o é que ela acentu<strong>ou</strong> a<br />
passividade dos cidadãos. A escritura foi o saber sagrado de todas as<br />
burocracias e hoje mesmo é comunicação unilateral: estimula nossa<br />
capacidade receptiva e ao mesmo tempo neutraliza nossas reações,<br />
paralisa nossa crítica, Interpõe entre nós e o que escreve – seja um<br />
filósofo <strong>ou</strong> um déspota – uma distância, Contudo, não creio que os<br />
nossos meios de comunicação oral, nos quais depositam tantas<br />
esperanças McLuhan e <strong>ou</strong>tros, consigam reintroduzir o verdadeiro<br />
diálogo entre os homens. A despeito de terem devolvido à palavra o seu<br />
dinamismo verbal – algo que a poesia e a literatura contemporâneas não<br />
aproveitaram ainda de todo – rádio e televisão aumentam a distância<br />
entre o que fala e o que <strong>ou</strong>ve: convertem o primeiro em uma presença<br />
todo poderosa e o segundo em uma sombra, São, como a escritura,<br />
instrumentos de domínio. Se há um grão de verdade na visão do<br />
Neolítico como uma idade feliz, essa verdade consiste não na justiça de<br />
suas instituições, sobre as quais sabemos p<strong>ou</strong>quíssimo, mas no caráter<br />
pacífico de suas descobertas e, sobretudo, em que essas comunidades não<br />
conheceram <strong>ou</strong>tra forma de relação que a pessoal de homem a homem, O<br />
verdadeiro fundamento de toda democracia e socialismo autêntico é, <strong>ou</strong><br />
deveria ser, a conversação: os homens frente a frente, Sobre isto devemos<br />
a <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> páginas inesquecíveis, como naquelas em que descobre o<br />
bem fundado da adivinhação de R<strong>ou</strong>sseau: a origem da autoridade, nas<br />
sociedades mais simples, não é a coerção dos poderosos mas o mútuo<br />
consentimento, Impulsionado pelo seu entusiasmo, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> chega a<br />
dizer que a “idade de <strong>ou</strong>ro está em nós”, Frase maravilhosa, mas<br />
ambígua, Refere-se a um estado interior e pessoal <strong>ou</strong> à possibilidade de<br />
regressar com os novos meios técnicos a uma espécie de idade de <strong>ou</strong>ro da<br />
era industrial? Temo que, no segundo sentido, esta idéia seja utópica:<br />
nunca estivemos mais longe da comunicação entre pessoa e pessoa, A<br />
alienação, se é que ainda guarda sentido essa palavra manuseada, não é<br />
unicamente conseqüência dos sistemas sociais, sejam capitalistas <strong>ou</strong><br />
socialistas, mas da índole mesma da técnica: os novos meios de<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 63