PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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caracteriza: ser uma mediação entre renúncia e promiscuidade e, assim,<br />
criar um âmbito fechado e legítimo em que se pode desenvolver o jogo<br />
erótico. Pois bem, se as mulheres são signos portadores de nomes e bens,<br />
deve acrescentar-se que são signos passionais. A dialética própria do<br />
prazer – dom e possessão, desejo e gasto vital – confere a esses signos<br />
um sentido contraditório: são a família, a ordem, a continuidade e são<br />
também o único, o extravio, o instante erótico que rompe a<br />
continuidade. Os signos eróticos destroem a significação – queimam-na<br />
e transfiguram-na: o sentido regressa ao ser. E do mesmo modo o abraço<br />
carnal, ao realizar a comunicação, a anula. Como na poesia e na música,<br />
os signos já não significam: são. O erotismo transcende a comunicação.<br />
Bataille assinala que a proibição do incesto também está ligada a<br />
<strong>ou</strong>tras duas negações pelas quais o homem se opõe à sua animalidade<br />
original: o trabalho e a cons ciência da morte. Ambas nos colocam<br />
diante de um mundo que <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> prefere ignorar: a história. O<br />
homem faz e ao fazer se desfaz, morre – e o sabe. Pergunto-me: o homem<br />
é uma operação <strong>ou</strong> uma paixão, um signo <strong>ou</strong> uma história? Esta<br />
pergunta pode repetir-se, segundo se viu, diante dos <strong>ou</strong>tros estudos de<br />
<strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> sobre os mitos e o pensamento selvagem. Com<br />
extraordinária penetração descobriu a lógica que os rege e revel<strong>ou</strong> que,<br />
longe de ser confusas aberrações psíquicas <strong>ou</strong> manifestações de ilusórios<br />
arquétipos, são sistemas coerentes e não menos rigorosos que os da<br />
ciência. Em compensação, omite a descrição do conteúdo concreto e<br />
específico. Tamp<strong>ou</strong>co se interessa pelo significado particular desses<br />
mitos e símbolos dentro do grupo que os elabora. Convertido em uma<br />
simples combinação, o fenômeno se evapora e a história se reduz a um<br />
discurso incoerente e a uma gesta fantasmal. Não faltará quem me diga:<br />
um homem de ciência não tem porque extraviar-se nos labirintos da<br />
fenomenologia e da história. Penso o contrário. A obra de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong><br />
nos apaixona porque interrompe o duplo e interminável monólogo da<br />
fenomenologia e da história. Essa interrupção é, ao mesmo tempo,<br />
histórica e filosófica: a negação da história é uma resposta à história e a<br />
filosofia reaparece como crítica do sentido – como crítica da razão.<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 74