PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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práxis, particularmente a experimentação e a indústria”, tinham<br />
acabado para sempre com a “coisa em si”, à qual cham<strong>ou</strong> de<br />
“extravagância filosófica”. O fim da “coisa em si”, proclamado por<br />
Hegel e seus discípulos materialistas, foi uma subversão das posições no<br />
antigo diálogo que sustentam o homem e o cosmos: agora seria este o<br />
emissor e a natureza escutaria. A ininteligibilidade da natureza se<br />
transform<strong>ou</strong>, pela negação criadora do conceito e da práxis, em<br />
significação histórica. O homem humaniza o cosmos, isto é, lhe dá<br />
sentido: converte-o em uma linguagem. A pergunta sobre o sentido do<br />
sentido o marxismo responde desta maneira: todo sentido é histórico. A<br />
história dissolve o ser no sentido. A resposta de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> a esta<br />
afirmação poderia chamar-se: meditação nas ruínas de Taxila <strong>ou</strong> o<br />
marxismo corrigido pelo budismo.<br />
Talvez o capítulo mais belo deste livro que se chama Tristes<br />
tropiques seja o último. O pensamento alcança nessas p<strong>ou</strong>cas páginas<br />
uma densidade e uma transparência que fariam pensar nas construções<br />
do cristal de rocha, não fosse o caso de estar animado por uma<br />
palpitação que não recorda tanto a imobilidade mineral como a vibração<br />
das ondas da luz. Uma geometria de resplendores que adota a forma<br />
fascinante da espiral. É o caracol marinho, símbolo do vento e da<br />
palavra, signo do movimento entre os antigos mexicanos: cada passo é<br />
simultaneamente uma volta ao ponto de partida e um avançar para o<br />
desconhecido. Aquilo que abandonamos ao principio nos espera,<br />
transfigurado, ao final. Mudança e identidade são metáforas do Mesmo:<br />
se repete e nunca é o mesma. O etnógrafo regressa do <strong><strong>No</strong>vo</strong> ao Velho<br />
Mundo e i na antiga terra de Gándara une os dois extremos de sua<br />
exploração: na selva brasileira viu como se constitui urra sociedade; em<br />
Taxila contempla os restos de uma civilização que se concebeu a si<br />
mesma como um sentido que se anula. <strong>No</strong> primeiro caso foi testemunho<br />
do nascimento do sentido; no segundo, de sua negação. Duplo regresso:<br />
o etnólogo volta das sociedades sem história à história presente; o<br />
intelectual europeu regressa a um pensamento que nasceu há dois mil e<br />
quinhentos anos e descobre que nesse começo já estava inscrito o fim. O<br />
tempo também é uma metáfora e seu transcorrer é tão ilusório como os<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 78