PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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sucessiva e irrepetível. A China combin<strong>ou</strong> sempre o sistema atemporal, o<br />
tempo cíclico e a historicidade. O modelo era um passado arquetípieo, o<br />
tempo místico dos quatro imperadores; a realidade histórica era a<br />
anedota de cada período, com seus sábios, seus soberanos, suas guerras,<br />
seus poetas, seus santos e suas cortesãs Entre esses dois pólos, a extrema<br />
imobilidade e a extrema mobilidade, a mediação era o movimento<br />
circular da dualidade: yin e yang. Um pensamento emblemático, como o<br />
chama Marcel Granet, que acentua a realidade das forças impessoais ao<br />
particularizá-las e dissolve a da história em mil anedotas coloridas e<br />
transitórias. Na verdade, a China não conheceu a história, mas só os<br />
anais. É uma civilização rica em narrativas históricas, mas os seus<br />
historiadores não formularam nunca o que se chama uma filosofia da<br />
história. Não a necessitavam, pois tinham uma filosofia da natureza. A<br />
história chinesa é uma ilustração das leis cósmicas e portanto carece de<br />
exemplaridade por si mesma. O modelo era atemporal: o princípio do<br />
princípio. A civilização centreo-americana neg<strong>ou</strong> mais totalmente a<br />
história. Do atiplano do México às terras tropicais da América Central<br />
durante mais de dois mil anos, se sucederam várias culturas e impérios e<br />
nenhum deles teve consciência histórica. A América Central não teve<br />
história mas mitos e, sobretudo, ritos. A queda de Tula, a penetração<br />
tolteca em Yucatán, o desaparecimento das grandes teocracias e as<br />
guerras e peregrinações dos astecas foram acontecimentos<br />
transformados em ritos e vividos como ritos. Não se entenderá a<br />
conquista do México pelos espanhóis se não se a contempla como a<br />
viram e viveram os astecas: como um grandioso rito final.<br />
A atitude da Índia diante da história é ainda mais assombrosa.<br />
Presumo que foi uma resposta ao fato que determin<strong>ou</strong> a vida dos<br />
homens e das instituições no sub continente desde há mais de cinco mil<br />
anos: a necessidade de coexistir com <strong>ou</strong>tros grupos humanos distintos<br />
em um espaço não franqueável e que, embora pareça imenso, era e é<br />
fatalmente limitado. A Índia é uma gigantesca caldeira e aquele que cai<br />
dentro dela não sai nunca. Tenha sido esta a causa <strong>ou</strong> seja <strong>ou</strong>tra a razão<br />
da aversão pela história, o certo é que nenhuma <strong>ou</strong>tra civilização sofreu<br />
mais suas intrusões e nenhuma o neg<strong>ou</strong> com tal obstinação. Desde o<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 52