PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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noites inteiras <strong>ou</strong> cismar durante as horas de rep<strong>ou</strong>so?” Atribuo esta<br />
diferença ao fato de que temos inconscientes distintos: falta algo às<br />
máquinas <strong>ou</strong> sobra algo em nós. Ou isto também é uma ilusão?<br />
<strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> introduz uma distinção singular entre o consciente e<br />
o inconsciente. Este último é um depósito de imagens e recordações, “um<br />
aspecto da memória” – algo assim como um arquivo imenso,<br />
desordenado e repleto. O consciente, ao contrário, “sempre está vazio”;<br />
recebe as “pulsões”, emoções, representações e <strong>ou</strong>tros estímulos<br />
exteriores e os organiza e transforma “como o estômago aos alimentos<br />
que o atravessam”. Embora Freud pensasse que um dia os progressos da<br />
química tornariam desnecessário o longo tratamento psicanalítico, sua<br />
concepção do inconsciente se opõe totalmente a de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>: os<br />
processos químicos, inconscientes e subconscientes, possuem para Freud<br />
uma finalidade. Esta finalidade recebe vários nomes: desejo, princípio de<br />
prazer, Eros, Tânato, etc. Muitos sublinharam o parentesco deste<br />
inconsciente psicológico com as estruturas econômicas de Marx,<br />
também inconscientes e, portanto, tendo uma direção. O inconsciente e a<br />
história são forças em marcha e que caminham independemente da<br />
vontade dos homens. Longe de ser mecanismos vazios que transformam<br />
em signos aquilo que recebem do exterior, são realidades plenas que sem<br />
cessar mudam o homem e se transformam a si mesmas. A matéria viva<br />
de Freud aspira ao nirvana da matéria inerte; quer rep<strong>ou</strong>sar na unidade<br />
mas está condenada a mover-se e a dividir-se, a desejar e a odiar as<br />
formas que engendra. O homem histórico de Hegel e Marx quer suprimir<br />
sua alteridade, ser uno <strong>ou</strong>tra vez com os <strong>ou</strong>tros e com a natureza, mas<br />
está condenado a transformar-se continuamente e transformar o<br />
mundo. Em um livro brilhante (Eros e Tânato), <strong>No</strong>rman O. Brown<br />
revel<strong>ou</strong> que a energia da história pode chamar-se também Eros<br />
reprimido e sublimado. A dialética histórica, seja a de Hegel <strong>ou</strong> a de<br />
Marx, se reproduz na teoria de Freud: afirmação e negação são<br />
conceitos que correspondem aos de libido e repressão, prazer e morte,<br />
atividade e nirvana.<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 72