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PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP

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econhece em parte o que eu disse: “Na linguagem a primeira cifra nãosignificante<br />

(a fonológica) é meio e instrumento de significacão da<br />

segunda; a dualidade se restabelece na poesia, que recobra o valor<br />

virtual da significação da primeira para integrá-la na segunda...”<br />

Admite que a poesia muda a linguagem mas pensa que, longe de<br />

transcendê-la, se encerra assim mais totalmente em suas malhas: desce<br />

do sentido aos signos sensíveis, regressa da palavra ao fonema. Direi<br />

somente que me parece um perverso paradoxo definir desta maneira a<br />

atividade de Dante, Baudelaire <strong>ou</strong> Coleridge.<br />

Música e mito “requerem uma dimensão temporal para<br />

manifestar-se”. Sua relação com o tempo é peculiar porque o afirmam só<br />

para negá-lo. São diacrônicos e siri crônicos: o mito conta uma história<br />

e, como o concerto, se desenvolve no tempo irreversível da audição; o<br />

mito se repete, se reengendra, é tempo que volve sobre si mesmo – o que<br />

pass<strong>ou</strong> está passando agora e voltará a passar – e a música “imobiliza o<br />

tempo que transcorre... de modo que ao escutá-la acedemos a uma<br />

espécie de imortalidade”. Numa obra anterior <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> já tinha<br />

sublinhado a dualidade do mito, que corresponde à distinção entre<br />

língua e fala, estrutura atemporal e tempo irreversível da elocução. A<br />

analogia entre música e mito é perfeita, só que pode estender-se à dança<br />

e, de novo, à poesia. As relações entre dança e música são tão estreitas<br />

que me p<strong>ou</strong>pam toda explicação. <strong>No</strong> caso da poesia se reproduz a<br />

dualidade sincrônica e diacrônica da linguagem, embora em um nível<br />

mais elevado, já que a segunda clave <strong>ou</strong> cifra, a significativa, dá<br />

condições para que o poeta construa um terceiro nível não sem<br />

semelhanças com o da música e, está claro, com o que <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong><br />

descreve em Le cru et le cuit. O tempo do poema é cronométrico e, do<br />

mesmo modo, é <strong>ou</strong>tro tempo que é a negação da sucessão. Na vida diária<br />

dizemos: o que pass<strong>ou</strong>, pass<strong>ou</strong>; mas no poema aquilo que pass<strong>ou</strong><br />

regressa e encarna <strong>ou</strong>tra vez. O poeta, diz o centauro Ouiron a Fausto,<br />

não está encadeado no tempo: fora do tempo Aquiles encontr<strong>ou</strong> Helena.<br />

Fora do tempo? Melhor dizer, no tempo original... Inclusive nos poemas<br />

épicos e nas novelas históricas o tempo da narrativa escapa à sucessão.<br />

O passado e o presente dos poetas não são os da história e os do<br />

_______________________________________________________<br />

<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 37

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