PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
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Ricoeur encontr<strong>ou</strong> uma surpreendente semelhança entre o sistema<br />
de Kant e o de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong>: ao modo do primeiro, este postula um<br />
entendimento universal regido por leis e categorias invariáveis. 19 A<br />
diferença seria que o do antropólogo francês é um entendimento sem<br />
sujeito transcendental. <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> aceita o bem fundado da<br />
comparação e, sem negá-la, assinala os seus limites: o etnólogo não parte<br />
da hipótese de uma razão universal mas da observação de sociedades<br />
particulares e p<strong>ou</strong>co a p<strong>ou</strong>co, pela classificação e comparação de cada<br />
elemento distintivo, desenha as linhas de “uma estrutura anatômica<br />
geral”. O resultado é uma imagem da forma da razão e uma descrição de<br />
seu funcionamento. A semelhança que Ricoeur assinala não nos deve<br />
fazer esquecer uma diferença não menos decisiva: Kant se propôs<br />
descobrir os limites do entendimento; <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> dissolve o<br />
entendimento na natureza. Para Kant há um sujeito e um objeto; <strong>Lévi</strong>-<br />
<strong>Strauss</strong> apaga esta distinção. Em lugar do sujeito postula um “nós” feito<br />
de 'particularidades que se opõe e combinam. O sujeito se via a si mesmo<br />
e os juízos do entendimento universal eram os seus. O “nós” não pode<br />
ser visto: não tem um si mesmo, sua intimidade é exterioridade. Seus<br />
juízos não são seus: é o veículo de um juízo. É a estranheza em pessoa.<br />
Nem sequer pode saber-se uma coisa entre as coisas: é uma<br />
transparência através da qual uma coisa, o espírito, contempla as <strong>ou</strong>tras<br />
coisas e se deixa contemplar por elas. Ao abolir o sujeito, <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong><br />
destrói o diálogo da consciência consigo mesma e o diálogo do sujeito<br />
com o objeto.<br />
A história do pensamento do Ocidente foi a das relações entre o ser<br />
e o sentido, o sujeito e o objeto, o homem e a natureza. Desde Descartes<br />
o diálogo se alter<strong>ou</strong> por uma espécie de exageração do sujeito. Esta<br />
exageração culmin<strong>ou</strong> na fenomenologia de Husserl e na lógica de<br />
Wittgenstein. O diálogo da filosofia com o mundo se converteu no<br />
monólogo interminável do sujeito. O mundo emudeceu. O crescimento do<br />
19 Observo, de passagem, que Martin Heidegger, em O ser e o tempo se propôs algo semelhante, só que<br />
não na esfera do entendimento mas na da temporalidade. Por isso se opôs, com razão, a que se confunda<br />
o seu pensamento com o existencialismo. O formalismo de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> proíbe-me de comparar suas<br />
concepções com as de Heidegger; mas não com o antigo nominalismo: em seu sistema o universo se resolve<br />
em signos, nomes. Valeria a pena explorar mais estas afinidades.<br />
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<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 75