PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
PAZ, Octavio - Claude Lévi-Strauss ou o Novo - No-IP
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
matemáticos, o mito e suas variantes, inclusive as mais contraditórios,<br />
podem se condensar em uma fórmula... Ao concluir seu estudo, <strong>Lévi</strong>-<br />
<strong>Strauss</strong> afirma que o mito “tem por objeto oferecer um modelo lógico<br />
para resolver uma contradição – algo irrealizável se a contradição é<br />
real”. Observo, em conseqüência, uma diferença entre o pensar mítico e<br />
o do homem moderno: no mito se desenvolve uma lógica que não se<br />
defronta com a realidade e sua coerência é meramente formal; na<br />
ciência, a teoria deve submeter-se à prova da experimentação; na<br />
filosofia, o pensamento é crítico. Aceito que o mito é uma lógica mas não<br />
vejo como possa ser um saber. Por último, o método de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong><br />
proíbe uma análise do significado particular dos mitos: por um lado,<br />
pensa que esses significados são contraditórios, arbitrários e, de certo<br />
modo, insignificantes; por <strong>ou</strong>tro, afirma que o significado dos mitos se<br />
desenvolve numa região que está mais além da linguagem.<br />
O sistema de simbolização se reproduz sem cessar. O mito<br />
engendra mitos: oposições, permutações, mediações e novas oposições,<br />
Cada solução é “ligeiramente distinta” da anterior, de modo que o mito<br />
“cresce como uma espiral”: a nova versão o modifica e, ao mesmo<br />
tempo, o repete. Por isso a interpretação de Freud, independentemente<br />
de seu valor psicológico, é mais uma versão do mito de Édipo. Poderia<br />
acrescentar-se que o estudo de <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> constitui <strong>ou</strong>tra versão, já<br />
não em termos psicológicos, mas lingüísticos e de lógica simbólica. Este é<br />
o tema, justamente, de Le cru et le cuit. Análise de cerca de duzentos<br />
mitos sul-americanos, opera como um aparelho de transformações que<br />
os engloba e os “traduz” em termos intelectuais. Esta tradução é uma<br />
transmutação e daí que, como diz o seu autor, seja “um mito dos mitos<br />
americanos”. Le cru et le cuit responde de certo modo a minha<br />
pergunta acerca do significado dos mitos: à maneira dos símbolos de<br />
Peirce, o sentido de um mito é <strong>ou</strong>tro mito. Cada mito desenvolve o seu<br />
sentido em <strong>ou</strong>tro que, por sua vez, alude a <strong>ou</strong>tro, e assim sucessivamente<br />
até que todas essas alusões e significados tecem um texto: um grupo <strong>ou</strong><br />
família de mitos. Esse texto alude a <strong>ou</strong>tro e mais <strong>ou</strong>tro; os textos<br />
compõem um conjunto, não tanto um discurso mas um sistema em<br />
movimento e perpétua metamorfose: uma linguagem. A mitologia dos<br />
_______________________________________________________<br />
<strong>Octavio</strong> Paz – <strong>Claude</strong> <strong>Lévi</strong>-<strong>Strauss</strong> <strong>ou</strong> o Festim de Esopo 25