Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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130 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />
decisão do Conselho de Desenvolvimento Social em 1975, aprovada pelo Presidente da<br />
República. Não se deve, entretanto, encarar como panacéia esses indicadores, nem os<br />
de natureza econômica a que acima nos referimos, a exemplo do produto “per capita”,<br />
da taxa de crescimento do PIB etc. Esses indicadores, assim como muitas das elaborações<br />
quantitativas tão ao gosto de alguns economistas, de modo algum substituem, antes<br />
devem complementá-las, abordagens que poderão ser consideradas simplistas, mas<br />
nem por isso menos relevantes para a decisão social, na melhor tradição dos fundadores<br />
de nossa ciência.<br />
“Está bastante difundido o clichê que apresenta Smith como defensor empedernido<br />
do “laissez faire”, mas isto é falso. Evidentemente a sua confi guração do papel do<br />
governo na sociedade tinha em vista as condições específi cas da Inglaterra no século<br />
XVIII, as quais não foram as mesmas no decorrer do processo da Revolução Industrial<br />
na Europa Ocidental, nem correspondem às condições atuais dos países menos desenvolvidos<br />
ou, mesmo, dos desenvolvidos. Ainda assim, Smith tinha presente, como o<br />
professor Andrew Skinner mostrou em conferência proferida há poucos dias, diferenças<br />
que poderiam ocorrer entre custos sociais e privados afetando a alocação ótima de<br />
recursos pela sociedade. Nesse contexto, Smith advogou obras públicas para fazer face<br />
ao que hoje rotulamos de degradação ambiental produzida pelo processo de urbanização<br />
e outras formas de capital social destinado a facilitar a “produção e o comércio da<br />
sociedade”. Propôs, além disso, a orientação do sistema público de educação, no sentido<br />
de minorar o embrutecimento e alienação do operário gerados pela crescente divisão<br />
do trabalho inerente à industrialização. Também é pouco difundida a verdadeira<br />
obsessão de Smith em sua atitude contrária à concessão de monopólios e privilégios na<br />
sociedade. Conhecedor da complexidade do mundo real, refere-se freqüentemente às<br />
difi culdades que grupos de pressão podem causar ao bom funcionamento do governo.<br />
Expressou, porém, ceticismo relativamente à orientação da economia pelo governo nos<br />
seguintes termos:<br />
“... o rendimento anual da sociedade é sempre precisamente igual ao valor de<br />
troca de toda a produção de sua economia ... Como todo indivíduo se empenha em<br />
empregar seu capital em defesa da economia nacional e de modo a obter o maior valor<br />
de produção possível, o resultado é que ele trabalha necessariamente no sentido de<br />
obter o máximo rendimento anual para a sociedade; ao pensar somente em seus lucros<br />
próprios, é levado, nessa como em outras situações, por mão invisível, a atingir alvo que<br />
não fazia parte de suas intenções.”<br />
Acresce que - disse ainda ele -<br />
“o governante que tentasse dirigir os particulares no modo de emprego de seus<br />
capitais, não só ocuparia seu tempo em algo desnecessário, como também assumiria autoridade<br />
que não pode ser legada, de maneira segura, a uma só pessoa, nem tampouco a<br />
um senado ou conselho, e que não estaria em mãos mais perigosas do que as de alguém<br />
sufi cientemente insensato e presunçoso para considerar-se apto a exercê-la.”<br />
“O que se consideraria hoje em dia manifestação de pessimismo quanto ao planejamento<br />
em economias de mercado resultava, na realidade, a meu ver, da importância<br />
de reagir com fi rmeza em face da camisa-de-força sufocante que a economia tradicional<br />
representava no tempo de Smith, em relação aos anseias de mudança e inovação.<br />
“Cento e cinqüenta anos depois, na melhor tradição do pensamento social inglês,<br />
Keynes, refl etindo, em 1926, sobre as condições do primeiro quartel do século XX,<br />
afi rmava:<br />
“A maneira pela qual o mundo é governado das alturas não garante que o interesse<br />
privado e social sempre coincidam. Não constitui dedução correta dos princípios<br />
da Economia que o interesse individual esclarecido sempre atue em favor do interesse<br />
público. Nem se pode generalizar que o interesse individual seja esclarecido. Em geral,<br />
indivíduos, atuando de modo isolado, visando alcançar seus próprios objetivos, não estão<br />
sufi cientemente informados ou demasiado fracos para atingi-los. A experiência não<br />
indica que os indivíduos, quando constituem grupo social, tenham visão menos clara<br />
do que quando agem de modo isolado.”