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Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE

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<strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>, fomentador das estatísticas brasileiras:<br />

perfi l do cientista e do humanista<br />

A mística, referência central da identidade coletiva, seria apropriada, resignifi -<br />

cada e desvinculada de seu inspirador. Dessa forma, poder-se-ia dotar a mística de um<br />

caráter novo, identifi cá-la à gestão em exercício, depurá-la de seus elos com os baluartes<br />

fundadores, enquanto se preservava sua força no imaginário institucional. Força esta<br />

que não poderia ser desprezada por nenhuma direção superior. Afi nal, seus efeitos são<br />

os mais intensamente sentidos no cotidiano de uma comunidade. Como afi rma Michael<br />

Pollak, as referências mais solidamente instituídas no imaginário de um grupo podem<br />

produzir o fenômeno dos acontecimentos vivenciados “por tabela”. Este fenômeno<br />

pode ocorrer quando um conjunto de eventos se funde no imaginário, não sendo mais<br />

possível para a pessoa discernir se ela de fato os vivenciou, ou se são heranças de sua fi -<br />

liação àquela coletividade. Na socialização ocorrida nesses grupos, os símbolos compartilhados<br />

podem permitir uma projeção ou identifi cação com determinado passado, que<br />

passa a ser integrado à memória individual, como vivência pessoal (POLLAK, 1992, p.<br />

201). Evidentemente, a confusão entre experiência pessoal e acontecimentos evocados<br />

pelo imaginário é um caso limite. Não obstante, esta confusão elucida bastante sobre as<br />

possibilidades de uma mística institucional posta a serviço da direção superior.<br />

Planejamento “psicológico” versus planejamento econômico<br />

Doravante, a exaltação da mística passaria pelo seu desligamento de um pensamento<br />

ainda muito idealista, baseado em grandes diretrizes de ação social, formalizadas<br />

em Problemas de base do Brasil, não por acaso a grande obra que vinculava o pensamento<br />

de Teixeira de Freitas ao Instituto.<br />

Este pensamento social do primeiro <strong>IBGE</strong> se coadunava muito bem com o planejamento<br />

de mobilização psicológica praticado na Era Vargas. Um bom exemplo é a<br />

“marcha para o oeste” 5. Trata-se de um planejamento da estrutura ocupacional brasileira<br />

ainda muito incipiente, onde a racionalização dos esforços e da produção parece<br />

algo fi gurativa, não instrumentalizada em orçamentos sustentáveis e dissociada de um<br />

plano desenvolvimentista para o País. Durante todo o período da Era Vargas e da República<br />

Populista, o termo planejamento teria sido utilizado de forma livre e imprecisa,<br />

sem sequer diferenciar o microplanejamento setorial do planejamento macroeconômico<br />

integrado. Roberto Campos, já em 1974, diagnostica este quadro, atentando para o<br />

recurso à expressão como moeda de negociação política dos presidentes do período.<br />

Neste contexto, o planejamento seria fi gurativo porquanto mero instrumento político,<br />

utilizado para satisfazer bases eleitorais e dar autenticidade a projetos de governo:<br />

A expressão “planejamento” assumiu em realidade qualidades de “mística”, contemplada<br />

com um misto de entusiasmo e ingenuidade. Assim, o Presidente Juscelino Kubitschek<br />

(1956/1961) auferiu consideráveis dividendos políticos de seu “Programa de Metas”; Jânio<br />

Quadros foi levado a estabelecer uma Comissão de Planejamento em 1961; João Goulart<br />

procurou conquistar respeitabilidade junto aos grupos empresariais e à classe média<br />

através do Plano Trienal, prontamente abandonado quando suas conseqüências políticas<br />

pareceram inapetitosas (CAMPOS, 1974, p. 48).<br />

5 A “marcha para o oeste” foi uma bandeira política do Estado Novo, que atualizava o “bandeirantismo” paulista como<br />

mito de fundação da nossa nacionalidade. Consistia na colonização, povoamento e integração do centro-oeste à estrutura<br />

econômica do Brasil. Por trás da mobilização política implicada estava a necessidade de fortalecer o papel do Estado nas<br />

afastadas zonas rurais, a contenção do êxodo rural através da fi xação do homem no campo e sua transformação em trabalhador.<br />

Neste sentido, o ideário cívico se inscrevia perfeitamente na agenda política da Era Vargas. O caráter ruralista e<br />

municipalista de suas proposições visavam justamente a fi xar o homem no campo, ao valorizar o sertanejo, fazendo dele<br />

um modelo do “homem novo”, tão idealizado durante o Estado Novo. O sucesso desta política, segundo o ideário, viria<br />

por força, principalmente, da redivisão territorial e administrativa, que fortaleceria os municípios, e da reeducação das<br />

massas rurais, pela via das chamadas colônias-escolas, educandários nos quais as famílias rurais seriam internadas em<br />

tempo integral. O clímax da conjugação entre a “marcha para o oeste” e o ideário cívico do <strong>IBGE</strong> se deu no episódio de<br />

inauguração de Goiânia, em 1942. Na ocasião, além da delimitação da área que abrigaria a nova capital, destinou-se ao<br />

Instituto a coordenação de todos os eventos que aí tiveram lugar por conta do ritual de inauguração. Mais do que o título<br />

de “patrono do batismo cultural de Goiânia”, ao <strong>IBGE</strong> coube a primazia sobre todo o discurso intelectual organizado em<br />

torno de Goiânia e a consolidação da extensão física do poder central por meio do saber enraizado no espaço. Sobre este<br />

assunto, ver: CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. Um homem de fronteira: ação e criação de José Carlos de Macedo Soares.<br />

Trabalho inédito, a ser divulgado na obra História das Estatísticas Brasileiras, v. 3: estatísticas organizadas (c.1936-c.1972),<br />

de autoria de Nelson de Castro Senra, editada pelo <strong>IBGE</strong>.<br />

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