Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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192 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />
radicalmente novos, a despeito da sua capacidade de sustentação dos empreendimentos<br />
afi nados com ela.<br />
<strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong> percebeu bem como a tradição poderia depor contra sua administração.<br />
No momento mesmo da transmissão de cargo, enquanto Ayres prestou<br />
contas de sua presidência dando continuidade ao projeto de sua administração ao fazer<br />
nova leitura modernizante das referências fundadoras 2 , <strong>Isaac</strong> preferiu enunciar os desafi<br />
os que o aguardavam, evitando os protocolos de louvação do passado.<br />
O discurso na solenidade de posse já antecipava a tônica da presidência <strong>Isaac</strong>. A<br />
nova grade de leitura deveria ocasionar a superação da tradição esmagadora, eclipsar<br />
os founding fathers. A inobservância deste preceito poderia custar a ruína do projeto de<br />
soerguimento do <strong>IBGE</strong>, tão bem alavancado pelo eminente economista. Em resposta a<br />
esta ameaça, a chave de leitura do passado institucional deveria realizar o “enquadramento<br />
da memória”.<br />
De acordo com Henry Rousso, o trabalho de enquadramento da memória deve<br />
satisfazer a certas exigências de justifi cação. Esse trabalho de enquadramento se alimenta<br />
do material fornecido pela história, fazendo dele um uso político. A justifi cação<br />
deve contemplar uma contínua reinterpretação política do passado. A adesão dos membros<br />
do grupo, dos funcionários do <strong>IBGE</strong>, é tributária da credibilidade comportada por<br />
aquela reinterpretação. É preciso, assim, que certas referências sejam expropriadas da<br />
antiga tradição pela nova tradição que se quer instituir. Ao dissociar tais referências<br />
centrais das personalidades que organizam a percepção dos ibgeanos sobre o passado,<br />
caso principalmente de Teixeira de Freitas, a nova gestão poderia imprimir-lhes um<br />
novo signifi cado, moderno e atualizado, e mobilizar os membros da comunidade. Estes<br />
precisam se reconhecer na “memória enquadrada”, pois a auto-imagem do grupo é<br />
mediadora de sua própria identidade individual (ROUSSO, 2002). A reinterpretação do<br />
passado e a justifi cação do enquadramento são, assim, pedras de toque na consolidação<br />
dos laços de solidariedade e na identidade comunitária de um grupo, como o dos funcionários<br />
do <strong>IBGE</strong>.<br />
Feito este aporte mais teórico, veremos neste texto como a direção de <strong>Isaac</strong> se<br />
apropriou de elementos referenciadores da identidade coletiva para lograr o engajamento<br />
dos ibgeanos em seu projeto de reestruturação. Jamais uma administração da<br />
entidade experimentou tão intensamente a dupla face da tradição, entre a impulsão<br />
criadora e o peso morto. As administrações posteriores a Teixeira de Freitas se demonstraram<br />
frágeis quando se tratou de modernizar o <strong>IBGE</strong>, atender aos novos agentes demandantes<br />
e ao planejamento econômico. Em parte, porque reverenciaram excessivamente<br />
as diretrizes originárias do Instituto, a “mística ibgeana” que tanto ecoava no<br />
cotidiano de seus funcionários, quanto no verdadeiro projeto de nação que era o ideário<br />
cívico, expressão do pensamento social do Instituto e de uma época que não conhecia<br />
a tecnocracia informacional. Foi precisamente este caráter tecnocrático que presidiu a<br />
reestruturação da entidade e ditou o ritmo da reinterpretação do passado, durante os<br />
anos <strong>Kerstenetzky</strong>.<br />
Com a palavra, o técnico<br />
O regime militar consagrou a fi gura do técnico na gestão pública do Brasil. O<br />
saber competente e especialista do técnico deveria informar um planejamento estatal de<br />
larga precisão e instrumental, porque baseado numa relação responsável entre os meios<br />
materiais, humanos e fi nanceiros empregados por uma política pública e os resultados<br />
efetivamente obtidos por ela, sempre em estrita observância dos prazos e condições<br />
estipulados pelos planos de desenvolvimento. A formalização da contratação dos servidores,<br />
por meio da elaboração de concursos públicos e de planos de carreira, e a criação<br />
2 Na ocasião, Sebastião Ayres afi rmou que sua direção foi dedicada “ao enriquecimento do já admirável patrimônio que o<br />
nosso Instituto acumulara, à luta em favor dos ideais que o fundador desta Casa, Mário Augusto Teixeira de Freitas, pregou<br />
e viveu. Acentuei que a fi delidade a esses ideais signifi cava lutar incansavelmente pelo aperfeiçoamento contínuo de nossos<br />
trabalhos, vencendo a tendência estagnadora da rotina e substituindo as técnicas e os métodos ultrapassados, a fi m de<br />
poder oferecer ao país as estatísticas que ele reclamava para o planejamento de seu desenvolvimento econômico e social”<br />
(KERSTENETZKY, 1970, p. 63).