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Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE

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200 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />

assombrosa, esta inadequação 9 . Ao se dar crédito, pela primeira vez, à experiência do<br />

pesquisador, numa investigação valiosa e inédita sobre alimentação, de escopo nacional,<br />

os organizadores do ENDEF, em especial Luiz Aff onso Parga Nina, se deram conta<br />

de que nada se sabia sobre as condições reais de alimentação no Brasil. A recepção do<br />

estudo e seus resultados não cabem neste texto, e serão esquadrinhadas em outro lugar<br />

10 . O que é digno de registro é o pioneirismo de um estudo sobre a pobreza sustentado<br />

quantitativamente, raridade ainda mesmo no cenário internacional.<br />

A oportunidade gerada pela pesquisa qualitativa do Estudo Nacional da Despesa<br />

Familiar revelava-se excelente tanto para aprimorar as categorias de classifi cação estatísticas<br />

na apreciação da sociedade (mais do que da população), quanto para alimentar<br />

a natureza social das investidas do <strong>IBGE</strong>.<br />

O “grande Instituto <strong>Kerstenetzky</strong> de investigações sociais” não estava assim tão<br />

longe. Ao contrário, parecia ganhar vida na construção do novo cotidiano da instituição,<br />

no ambiente de trabalho, na renovação dos quadros de funcionários, com os técnicos<br />

que traziam um novo espírito sócio-profi ssional, nos diferentes grupos de trabalho<br />

que introduziam novas perspectivas de abordagem do universo pesquisado. O engajamento<br />

do <strong>IBGE</strong> na coordenação do sistema estatístico nacional, nas refl exões sobre<br />

metropolização, micro e mesorregiões da geografi a, no Índice Nacional de Preços do<br />

Consumidor, no ENDEF e nas informações sobre os dados não estruturados, no treinamento<br />

e formação de pessoal altamente qualifi cado; tudo isso “era encadeado [...]<br />

visando à criação daquele instituto que seria capaz de escrever e interpretar o país em<br />

todos os seus aspectos relevantes ao planejamento” (BORBA, 1998, p. 17).<br />

Não seria este um órgão muito próximo daquele que Teixeira sempre quis comandar?<br />

Ele sempre viu na produção de estatísticas do <strong>IBGE</strong> uma razão objetiva para<br />

capacitá-lo a interpretar as realidades desnudadas pelas lentes da estatística. Ideólogo<br />

da educação, defensor inexcedível das idéias ruralistas de Alberto Torres, ele se encantaria<br />

com o instrumental de medição científi ca e com suas virtualidades para o planejamento<br />

das reformas sociais de base. Planejamento de tipo psicológico, é verdade, pois<br />

não conhecera a tecnocracia informacional, fl agrante nos anos de <strong>Kerstenetzky</strong>.<br />

Afi nidades eletivas<br />

Teixeira de Freitas talvez não houvesse imaginado que as situações de fome e de<br />

pobreza, além de caracterizadas, poderiam ser precisadas estatisticamente. Certamente,<br />

se deslumbraria com a possibilidade de o <strong>IBGE</strong> um dia lançar 1 200 agentes de campo<br />

pelo Brasil, acompanhando, medindo e pesando a comida de 55 mil famílias de todos<br />

os níveis de renda, como se fez no ENDEF. Teria orgulho ao saber que a grande obra<br />

de sua vida distribuiu estes mesmos 1 200 pesquisadores por todo o País, durante dois<br />

anos, para acompanhar o cotidiano das famílias brasileiras e expor suas experiências<br />

de campo em verdadeiros relatos etnográfi cos. Equipes interdisciplinares foram mobilizadas<br />

para elaborar sistemas de classifi cação que comparassem e sistematizassem as<br />

informações recolhidas, com base em critérios objetivos para a defi nição das situações<br />

de pobreza. Um sonho distante para o <strong>IBGE</strong> de Teixeira de Freitas, imerso em grandes<br />

diretrizes de ação e em um planejamento de mobilização psicológica, mas precursor da<br />

sensibilidade social manifesta pelo Instituto de <strong>Kerstenetzky</strong>. Esta sensibilidade social,<br />

uma vez sustentada e harmonizada com a natureza de uma instituição estatística, projetaria<br />

o <strong>IBGE</strong>, dando-lhe uma identidade como instituição avançada no novo planejamento,<br />

maior visibilidade e voz atuante na formulação das prioridades da agenda de governo.<br />

9 Para confi rmar o que foi dito, citamos exemplos especialmente impressionantes de “observações sobre unidades pesquisadas”:<br />

“Era uma casa com simplesmente um cômodo e agasalhando nove pessoas. Esta casinha está praticamente ao ar livre,<br />

devido ao reboco ter caído. Dormem neste domicílio 09 componentes em uma só cama de aproximadamente 1 metro e 50<br />

centímetros de comprimento [...]. A respeito da alimentação, [...] nosso coordenador fi cou extardecido (sic) com o que observou<br />

e também observamos um membro desta família tomar banho numa lama e o pai desta criancinha replicou sorrindo:<br />

como minha fi lha gosta de tomar banho. O que mais me comoveu foi a pessoa 08 ter se alimentado de fezes da irmãzinha<br />

por não achar o que comer [...]” (ESTUDO..., 1976, p. 232). Outro caso pertinente:“ [...] pessoa 02 está grávida e não sabe<br />

informar realmente de quantos meses. Ela tem o hábito de comer barro da parede durante a gravidez, não foi possível pesar<br />

porque a mesma morde diretamente a parede” (ESTUDO..., 1976, p. 244).<br />

10 Em capítulo do quarto volume da obra História das Estatísticas Brasileiras, ainda sem título defi nido.

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