Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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184 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />
Dessa visão integrada e integradora, testemunha a criação, praticamente em simultâneo,<br />
do projeto da Matriz de Relações Intersetoriais, embrião do projeto de Contas<br />
Nacionais, do projeto de Indicadores Sociais, bem como a implementação do Estudo<br />
Nacional da Despesa Familiar – ENDEF. Em depoimento feito a Maurício Teixeira Leite<br />
de Vasconcellos e posteriormente incluído na tese de doutoramento deste, assinalava<br />
Prof. <strong>Isaac</strong> que sua “opção de constituir dois grupos para desenvolver os projetos [da<br />
Matriz e dos Indicadores Sociais] e de ligá-los diretamente à Presidência do <strong>IBGE</strong> tinha<br />
objetivos bem delineados: (a) integrar as informações econômicas com as sociais,<br />
gerando um sistema de contabilidade social que recuperasse o pensamento social dos<br />
economistas clássicos; (b) utilizar esse sistema de contabilidade social como norteador<br />
e defi nidor do âmbito e abrangência das pesquisas realizadas pelo Sistema Estatístico<br />
Nacional; e (c) utilizar o quadro referencial teórico do Sistema de Contas Nacionais para<br />
integrar as informações de consumidores (pesquisas domiciliares e censo demográfi co)<br />
com as de produtores (censos e pesquisas agropecuárias, da indústria, do comércio e<br />
dos serviços)” (VASCONCELLOS, 2001). Complementando e subsidiando estes dois<br />
projetos, um terceiro – o ENDEF – acoplava o estudo nutricional ao levantamento dos<br />
orçamentos familiares e das condições de reprodução social da população brasileira.<br />
Tomados em conjunto, estes três projetos-síntese eram reveladores de uma marca<br />
de gestão, consubstanciada na idéia de que a síntese se sobrepõe à análise e o caminho<br />
para a reconstrução teórica da totalidade social não comporta divisões estanques entre<br />
as partes; senão que obriga a sua articulação.<br />
Reconhecendo, portanto, que o registro a ser feito aqui é necessariamente parcial<br />
e incompleto, gostaria de destacar alguns aspectos expressivos da gestão de Prof. <strong>Isaac</strong><br />
no tratamento do social.<br />
O primeiro diz respeito à construção de indicadores sociais no Brasil. Para dar<br />
conta dessa tarefa, Prof. <strong>Isaac</strong> contratou, inicialmente, um pequeno grupo de antropólogos<br />
e sociólogos, aos quais se associariam depois, urbanistas, geógrafos, educadores,<br />
economistas e outros pesquisadores sociais, encarregando-os da montagem de um painel<br />
de indicadores sociais.<br />
Do caráter inovador de sua iniciativa, bastaria lembrar que em 1973, quando<br />
foi criado o Grupo Projeto Indicadores Sociais, apenas cinco países – Inglaterra, EUA,<br />
França, Alemanha e Japão – haviam produzido relatórios sobre o tema. Escassa era a<br />
bibliografi a sobre o assunto, poucos eram os textos de referência disponíveis, a maior<br />
parte dos quais produzida nos EUA. Foi nesse país que, ao fi nal dos anos 1960, cunhouse<br />
o termo “indicadores sociais” e se publicou, em 1969, o livro pioneiro sobre o tema:<br />
o Toward a social report, resultado de um trabalho coletivo levado a efeito por técnicos<br />
ligados à esfera do planejamento central e à universidade.<br />
Na introdução deste livro, seus autores descreviam as razões que os haviam levado<br />
a se debruçar sobre as condições de trabalho, habitação, educação, saúde e segurança<br />
social da população. Elas apontavam claramente para um paradoxo entre altas taxas<br />
de crescimento e aumento do descontentamento social:<br />
Na verdade, os indicadores econômicos integraram-se de tal forma em nossa maneira<br />
de pensar que tivemos a tendência de igualar o aumento do Produto Nacional ao Bem<br />
Estar Nacional. Muitos fi caram surpresos ao constatar que o descontentamento e a intranqüilidade<br />
vêm crescendo enquanto o Produto Nacional aumenta tão rapidamente.<br />
Parece paradoxal que os indicadores econômicos venham de modo geral registrando um<br />
progresso contínuo – aumento da renda, baixo desemprego – enquanto as ruas e os jornais<br />
comprovam um descontentamento crescente – incêndios e saques nos guetos , confl<br />
itos no campus, crime nas ruas, alienação e rebeldia entre os jovens (HEW, 1970 apud<br />
OLIVEIRA,1979b, p. 6).<br />
Do outro lado do Atlântico, no prefácio do livro Le Partage des benefi ces, visto por<br />
muitos autores como o precursor dos Indicadores Sociais na França, o mesmo paradoxo<br />
viria a se expressar sob a forma de uma indagação: “não existe um grave perigo<br />
em se deixar levar pela convicção de que o crescimento da renda e da produção seja