Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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<strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>, fomentador das estatísticas brasileiras:<br />
perfi l do cientista e do humanista<br />
portador, em si mesmo, de todos os benefícios e, em particular, que ele se faça acompanhar<br />
da redução das desigualdades econômicas e sociais?” (DARRAS, 1969 apud<br />
OLIVEIRA,1979b, p. 6).<br />
Foi, portanto, o reconhecimento de que o crescimento econômico não se fazia<br />
acompanhar por uma melhoria na qualidade de vida ou, melhor dizendo, que o progresso<br />
econômico não engendrava por si mesmo o progresso social o que impulsionou<br />
naquele momento a produção de indicadores sociais nos países centrais.<br />
No Brasil, a situação não seria diferente. No início dos anos 1970, enquanto o<br />
País entrava no rol das “potências emergentes”, experimentando as mais altas de crescimento<br />
de sua história econômica, havia sinais de redução dos salários reais de base,<br />
empobrecimento da classe trabalhadora, ampliação dos níveis de desnutrição, recrudescimento<br />
de diversas doenças e aumento das taxas de mortalidade infantil. O ditador,<br />
à época, exprimiria essa tensão em uma frase que se tornaria tristemente famosa: “A<br />
economia vai bem, mas o povo vai mal.”<br />
Os indicadores sociais vinham, de certa forma, desafi nar o coro dos contentes,<br />
mostrar o avesso, o outro lado do milagre econômico: ao desvelarem as condições de<br />
vida da população, eles mostravam que o “milagre” estava sendo construído às custas<br />
de imensurável sacrifício de vidas humanas, sobretudo dos mais pobres.<br />
Para nós, era difícil – e até certo ponto doloroso – entender a atenção e os cuidados<br />
redobrados de Prof. <strong>Isaac</strong> no que dizia respeito à elaboração e à divulgação do trabalho<br />
que fazíamos: a exigência de rigor e concisão na linguagem, a acuidade na seleção e interpretação<br />
dos indicadores e, sobretudo, o caráter restrito da circulação dos relatórios, o<br />
mais das vezes numerados e destinados apenas aos escalões ofi ciais do governo.<br />
Mas se, por um lado, Prof. <strong>Isaac</strong> exigia de nós extrema cautela na leitura e interpretação<br />
dos dados, por outro, estimulava toda e qualquer iniciativa nossa destinada a ampliar<br />
o escopo temático dos levantamentos estatísticos ou a introduzir novos métodos de<br />
apreensão do real. Foi assim, quando, por sugestão de Teresa Cristina Nascimento Araújo,<br />
então coordenadora do Grupo Projeto de Indicadores Sociais, não hesitou em acoplar<br />
suplementos especiais à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, como os<br />
relativos a cor e mobilidade social, a partir dos quais numerosos trabalhos sobre desigualdade<br />
racial e mobilidade inter e intrageracional puderam ser desenvolvidos no âmbito do <strong>IBGE</strong><br />
e da pesquisa acadêmica. Foi ele também quem avalizou a incorporação da pesquisa antropológica<br />
à rotina de trabalho institucional, derivando daí estudos sobre grupos específi cos<br />
de trabalhadores e uma linha de pesquisas sobre condições de vida de populações de baixa<br />
renda em regiões metropolitanas do País (COSTA, 1974, 1975; OLIVEIRA, 1979a).<br />
Aliás, essa ousadia de o que e como perguntar nos levantamentos do órgão é característica<br />
de sua gestão. Ela se manifestou desde o primeiro momento em que Prof. <strong>Isaac</strong><br />
assumiu a presidência do <strong>IBGE</strong>, como demonstra a inclusão do quesito rendimentos no<br />
Censo Demográfi co de 1970. Contrariando a visão prevalecente em diversos organismos<br />
internacionais de estatística de que os censos não seriam inquéritos apropriados para este<br />
tipo de investigação, Prof. <strong>Isaac</strong> determinou que o quesito fosse replicado no Censo de<br />
1970 e se agilizassem os trabalhos de apuração do Censo de 1960. Com isso tornou viável<br />
a comparação da distribuição de rendimentos entre os dois pontos de tempo.<br />
A divulgação dos dados preliminares do Censo de 1970 começou a ser feita nos<br />
escalões ofi ciais em outubro de 1971, a partir de uma subamostra de 1,85% do Boletim<br />
da amostra, e, pouco depois, provocou um imenso debate público pela constatação de<br />
um processo de concentração de renda no País. Se isso não chegava a ser propriamente<br />
uma novidade, a evidência trazida pelos dados ofi ciais era espantosa: de acordo com<br />
eles, o rendimento médio dos 50% mais pobres, que era de 17,4% em 1960 , declinara<br />
para 14,9% em 1970, enquanto que o dos 5% mais ricos passara de 28,3% para 34,1%.<br />
Mais do que qualquer outra crítica ou denúncia, tais dados eram a prova irrefutável<br />
de que o crescimento econômico experimentado pelo País ao longo da década<br />
fora incapaz de garantir uma distribuição eqüitativa de seus benefícios sociais. Longe<br />
de serem por ele corrigidas ou atenuadas, as desigualdades haviam, inversamente, se<br />
aguçado e, como tal, foram instrumentalizadas para desmistifi car o lema de que era<br />
necessário “crescer para distribuir”.<br />
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