Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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<strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>, fomentador das estatísticas brasileiras:<br />
perfi l do cientista e do humanista<br />
Tamanha era a identidade pessoal que Teixeira tinha com o <strong>IBGE</strong> que, embora tenha<br />
se afastado de sua administração desde 1948, devotou-se informalmente a ela, com<br />
inteireza de esforços, até seu leito de morte, a 22 de fevereiro de 1956. Seu legado não se<br />
resumiu a contribuições objetivas apenas, mas tornou-se místico. Ainda hoje, fala-se em<br />
“mística ibgeana”; à época da refundação, vivia-se. Nada objetiva, a mística é sentida,<br />
percebida, escapa a defi nições rígidas. Em sentido amplo, comporta a disciplina de trabalho,<br />
a devoção à instituição acima dos particularismos, o elo entre os funcionários e a<br />
instituição que conhece e transforma o Brasil. A mística atribui aos quadros um vínculo<br />
comunitário, uma sociabilidade ligada ao trabalho e ao devotamento, perfeitamente adequada<br />
e mobilizada em ocasiões de grandes desafi os e de novos projetos para o <strong>IBGE</strong>.<br />
Um destes novos projetos, de dimensões inéditas, foi a tarefa de refundação levada<br />
a cabo pela presidência <strong>Kerstenetzky</strong>. Abrangia a estrutura de ação, a cadeia de<br />
produção, o programa estatístico, as equipes de trabalho, aspectos conceituais, organizacionais<br />
e processuais. Imprimir um novo perfi l para o <strong>IBGE</strong> signifi cava intervir nos<br />
trilhos construídos pelo fundador Teixeira de Freitas e em seu legado místico, tão respirado<br />
nos corredores do Instituto naquele ano de 1973, que deu impulso às reformas.<br />
O desafi o era claro: dinamizar a estrutura existente, adaptando-a aos novos tempos do<br />
planejamento econômico, era um imperativo que exigia o rompimento com a tradição,<br />
um imaginário que já não dava vazão às reformulações prementes.<br />
O recurso a palavras como “modernização”, “atualização”, “reorganização”,<br />
“harmonização” já havia sido exaustivamente tentado durante a administração Sebastião<br />
Aguiar Ayres, que viu nascer a reconfi guração jurídica do <strong>IBGE</strong>, mas que não conseguiu<br />
dar-lhe operacionalidade. Ayres manteve a postura de reverência ao passado<br />
institucional, apoiando-se numa fi guração incompatível com as transformações que se<br />
queria implantar. Incompatível porque os bastiões do passado desautorizavam reformas<br />
de base, ao mesmo tempo em que davam legitimidade a uma administração sem<br />
força (sem governabilidade diante da grande autonomia dos centros e diretorias do<br />
<strong>IBGE</strong>) que neles se inspirava para promover modernizações nas linhas mestras instituídas<br />
pelos pais fundadores. O resultado foi assaz insatisfatório, pois os projetos encampados<br />
pela gestão Ayres – a PNAD, as primeiras CONFEST e CONFEGE e o Plano<br />
Nacional de Estatísticas Básicas – foram todos saídos do argumento da modernização,<br />
porém deixaram intacto o problema maior da estrutura de funcionamento.<br />
Em diversas solenidades, o recurso às diretrizes do passado se fez presente na<br />
voz de Ayres. É sintomático o abuso deste expediente por ocasião da I Conferência Nacional<br />
de Estatística, em 29 de maio de 1968. Sebastião Ayres por mais de uma vez fez<br />
referência à “fi gura apostolar” de Teixeira de Freitas. Evidenciava, assim, que o projeto<br />
de sua administração se fi liava a uma leitura modernizante da tradição institucional, a<br />
partir da qual buscava operar as mudanças desejadas:<br />
Esse engenhoso e original mecanismo [de cooperação das três esferas políticas: federal,<br />
estadual e municipal] funcionou a contento, durante largo tempo. Convém relembrar<br />
que, no curso desse período, o <strong>IBGE</strong> correspondeu plenamente ao que dele se esperava.<br />
[...] Os dirigentes do Instituto, que haviam sido seus idealizadores, dentre eles se destacando<br />
a fi gura apostolar de Teixeira de Freitas, não se descuidaram um só instante,<br />
por essa época, do imperativo de colocar o <strong>IBGE</strong> em consonância com a evolução do<br />
país, para que a entidade estivesse sempre ao nível do melhor desempenho possível de<br />
seus encargos. A renovação e o aperfeiçoamento constituíam preocupações constantes<br />
dos primeiros dirigentes desta Casa (RELATÓRIO..., 1968. p. 30-31, grifo nosso).<br />
Assim colocados os termos do discurso, o mandamento pétreo que os fundadores<br />
anteviam para o <strong>IBGE</strong> seria o imperativo da “consonância com a evolução do país”,<br />
diante do qual a “renovação e o aperfeiçoamento” sempre se justifi cam. O passado institucional<br />
assim representado deveria se tornar um poderoso aliado na tarefa de modernização<br />
e reestruturação do <strong>IBGE</strong>. Entretanto, a reestruturação teria que aguardar a<br />
gestão <strong>Isaac</strong>, o que mostra os limites da mobilização da tradição para legitimar projetos<br />
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