Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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190 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />
economistas, sociólogos, estatísticos (especialmente os especialistas em amostragem),<br />
antropólogos, demógrafos, entre outros.<br />
Finalmente, estavam dadas as disposições necessárias para reconfi gurar o<br />
<strong>IBGE</strong>, capacitando-o a responder à diversifi cação da demanda (especialmente no que<br />
tange às estatísticas derivadas) e a percorrer o nicho da pesquisa social, deixado em<br />
aberto pelo IPEA, órgão complementar e concorrente – ao menos no sentido exposto<br />
anteriormente. Reconfi gurado, o Instituto poderia se lançar ao subsídio de políticas<br />
públicas e à refl exão mais ativa na elaboração dos projetos para o País. Tudo seguindo<br />
a mais fi el tradição ibgeana e o legado de seu mestre Teixeira de Freitas, com os quais<br />
a refundação parecia romper, porém apenas para melhor renovar a tradição e o legado,<br />
como se verá a seguir.<br />
Reverberações do antigo legado<br />
A memória de uma instituição nunca é estática. O signifi cado da mobilização<br />
dos pais e dos rituais fundadores são oscilantes ao longo do tempo, variando de acordo<br />
com os interesses em jogo em cada contexto histórico. Dessa forma, gestões que busquem<br />
implementar projetos renovadores têm a necessidade de inventar novas tradições<br />
para enfatizar a ruptura com o passado institucional, superando mitos fundadores a<br />
ele arraigados. Da mesma maneira, muitas vezes reivindica-se a fi liação a uma tradição<br />
solidamente instituída para legitimar projetos, sustentar novas parcerias e empreendimentos<br />
do órgão. A apropriação da memória não é pacífi ca e está em constante<br />
(re)construção.<br />
Isto posto, caberá perguntar: que imagens relacionadas aos anos de formação e<br />
de consolidação do <strong>IBGE</strong> e à fi gura e ao legado de Teixeira de Freitas foram produzidas<br />
e veiculadas pela administração <strong>Isaac</strong>, em sua missão de refundar o Instituto? Na verdade,<br />
trata-se de uma problemática da história da memória, na qual timidamente nos<br />
fi liamos. Vale apontar algumas ponderações sobre os limites de uma leitura continuadora<br />
do passado por uma direção encarregada de recriar o perfi l do <strong>IBGE</strong>, até mesmo<br />
como estratégia de sobrevivência da instituição.<br />
Ao tempo da reestruturação, o perfi l, as atividades institucionais e o ambiente de<br />
trabalho do <strong>IBGE</strong> estavam ancorados nas grandes referências fundadoras da entidade e<br />
no caráter que lhe imprimiu Teixeira de Freitas. Projetando e secretariando o órgão, foi<br />
ele o principal responsável pela sua implantação e operacionalização. Enfrentou entraves<br />
burocráticos para dar corpo ao Decreto nº 24.609, de 6 de julho de 1934, que previa a<br />
criação do Instituto Nacional de Estatística, mobilizando na empreitada fi guras políticas<br />
externas como Juarez Távora, Simões Lopes e até Gustavo Capanema. Internamente, ao<br />
longo do resto de sua vida, defi niu atividades, formou equipes de trabalho, comandou<br />
a construção da rede nacional de estatística, a coleta e o tratamento das informações.<br />
Mais do que tudo: ao atrelar estatística e reforma social edifi cou um projeto de nação<br />
e o consubstanciou no <strong>IBGE</strong>, nas diretrizes do chamado “ideário cívico ibgeano”, que<br />
inspira o estudo Problemas de base do Brasil1 .<br />
1 Nesta obra-síntese, a expressão “ideário cívico ibgeano” e todas as suas implicações encontram sua forma defi nitiva. As<br />
suas proposições, porém, já se encontravam veiculadas nos atos públicos e eventos sociais do Instituto, assim como em<br />
artigos de Teixeira de Freitas que remontam a, pelo menos, 1938. Problemas de base do Brasil é um anexo à Resolução nº 279,<br />
de 19 de julho de 1945, da Assembléia Geral do Conselho Nacional de Estatística. O livro teve cinco edições (a primeira é<br />
de 1945, a última de 1958), o que mostra a síntese que expressava do ideário e o grau de circulação e disseminação que atingiu.<br />
Segundo a apresentação da quinta edição, a obra foi muito bem recebida pelos intelectuais e pela imprensa brasileira,<br />
ajudando a projetar o <strong>IBGE</strong> em matéria de políticas públicas: “O Conselho Nacional de Estatística elaborou e submeteu ao<br />
governo, em 1941, um estudo sobre os problemas fundamentais da organização nacional, com base em documentação estatística.<br />
Um resumo desse estudo, que despertou vivo interesse no seio da opinião esclarecida do país, tem sido largamente<br />
difundido, com o objetivo de chamar para questões de tal magnitude a atenção de quantos tenham responsabilidade pelos<br />
destinos do Brasil” (PROBLEMAS..., 1958, p. 3). Em suas páginas, os temas se distribuem na seguinte ordem: 1) a renovação<br />
nacional; 2) equilíbrio e eqüidade na divisão territorial política; 3) interiorização da metrópole federal; 4) rede dos centros<br />
propulsores; 5) distribuição das forças construtivas; 6) ocupação efetiva do território; 7) valorização do homem rural; 8)<br />
virtualização do aparelho administrativo; 9) gabinete técnico da presidência e reorganização do quadro ministerial; 10)<br />
autonomia e articulação das diferentes órbitas governamentais; 11) unidade nacional pela unidade da língua; e 12) síntese.<br />
Uma análise detida sobre os diferentes pontos do ideário cívico do <strong>IBGE</strong>, reunidos em Problemas de base do Brasil e em outros<br />
textos de Teixeira de Freitas, pode ser conferida em: CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. O ideário cívico do <strong>IBGE</strong>: reformas<br />
sociais de base e projeto de Brasil aos olhos da estatística. Trabalho inédito, a ser divulgado na obra História das Estatísticas<br />
Brasileiras, v. 3: estatísticas organizadas (c.1936-c.1972), de autoria de Nelson de Castro Senra, editada pelo <strong>IBGE</strong>.