Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE
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194 <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>: legado e perfi l<br />
sua cadeia de produção, o <strong>IBGE</strong> reformado buscaria ampliar suas atividades e competências,<br />
sempre em consonância com os novos tempos da burocracia informacional e da<br />
planifi cação. Ao ocupar o nicho social deixado em aberto pela pesquisa econômica do<br />
IPEA, o Instituto buscava se projetar na formulação das políticas públicas.<br />
A ousadia dos pais fundadores, marca exclusiva das gestões grandiosas, tornava a<br />
se manifestar na refundação. Para administrações como a de <strong>Kerstenetzky</strong>, a reforma do<br />
Instituto representava a modernização das atividades que defi nem sua natureza, e também<br />
dava ensejo à ampliação de sua competência, através da criação de áreas de pesquisa<br />
harmonizadas com as atividades primárias, o que “implicava na mudança da própria<br />
estrutura do sistema organizacional do <strong>IBGE</strong>” (KERSTENETZKY, 1973b, p. 468). Afi nal,<br />
na esfera do planejamento o primado era dos sistemas de informação sobre os de análise.<br />
Esta condição natural de destaque dava ao <strong>IBGE</strong> uma autoridade potencial para elaborar<br />
um discurso sobre a realidade, para engendrar um centro de investigações sociais, desde<br />
que conformado à pesquisa estatística. Segundo Eurico Borba, seu diretor-geral, “o presidente<br />
<strong>Isaac</strong> sonhava em montar um grande instituto de investigações sociais sobre o<br />
Brasil. Uma entidade governamental, mas independente, possuidora de uma mística de<br />
trabalho honesto e competente” (BORBA, 2006, grifo nosso).<br />
“Um grande instituto de investigações sociais”, que possui “uma mística de trabalho<br />
honesto e competente”. Estaríamos longe dos ideais dos tempos de Teixeira de<br />
Freitas? Sim e não. Vejamos o porquê.<br />
Reinventando o otimismo: a mística<br />
A reestruturação do <strong>IBGE</strong> incluiu uma reelaboração do peso morto da tradição,<br />
para que esta voltasse a ser impulsão criadora. O rompimento com algumas referências<br />
do passado e o silenciamento sobre a tradição tinham por fi m justamente renová-las,<br />
tornando a “mística ibgeana” e a vocação social do Instituto compatíveis com os novos<br />
tempos do saber técnico e do planejamento instrumental. A mística, por exemplo, nunca<br />
se perdeu. Sua poderosa capacidade de mobilização, ao se referenciar às fi liações<br />
comunitárias da coletividade dos funcionários, raramente foi igualada por outro órgão<br />
público do Brasil3 . A mística inspirava fortemente um ambiente de trabalho produtivo<br />
e disciplinado. Prova disso é a menção recorrente à junção de esforços “na hora difícil”<br />
do soerguimento da instituição, já visível no discurso de posse de <strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>:<br />
“A nossa tarefa será a de continuar a acelerar esse processo de modernização, o que nos<br />
parece que só aparentemente será difícil, pois estamos convictos de que contaremos<br />
com o tradicional entusiasmo e a vontade de realização que possuem os dedicados<br />
servidores do <strong>IBGE</strong>” (KERSTENETZKY, 1970, p. 61, grifo nosso). A ocasião de aniversário<br />
do Instituto deu ensejo a mais uma velada referência à mística, já no clímax<br />
da reforma: “O período de adaptação pôde ser vencido sem maiores embaraços. Para<br />
tanto, muito contribuíram a compreensão, o espírito de cooperação, o ânimo fi rme<br />
de superar difi culdades por parte da maioria do corpo de servidores da Instituição”<br />
(KERSTENETZKY, 1974, p. 1, grifo nosso).<br />
<strong>Isaac</strong> insiste, desde o início, na devoção ao trabalho, na auto-superação e na cooperação<br />
coletiva para a desobstrução das difi culdades, recorrendo sempre à auto-imagem<br />
do <strong>IBGE</strong> e dos ibgeanos. Evocando um dos aspectos da mística, o do espírito de<br />
devotamento ao trabalho, a reelaboração da tradição passou pelo esvaziamento do culto<br />
personalista a Teixeira de Freitas, ainda muito forte na Casa4 .<br />
3 Vale citar aqui trechos da entrevista de Edson Nunes, ex-presidente do <strong>IBGE</strong>, a respeito da atual debilidade do IPEA, por<br />
ocasião dos 40 anos do órgão. Em evidente contraste com o prestígio das pesquisas recentes do <strong>IBGE</strong> e sua visibilidade<br />
crescente na mídia, o IPEA atravessa uma crise, “está novamente numa posição fragilizada no governo”. Edson Nunes,<br />
certamente conhecedor do ambiente de trabalho e do imaginário da instituição que presidiu com sucesso, identifi ca como<br />
sintoma da crise a falta de uma mística: “Acho que o IPEA precisa de uma mística, mesmo que ingênua, para poder manter<br />
sua auto-estima. Não há outra forma de sobreviver” (D´ARAÚJO; FARIAS; HIPPÓLITO, 2005, p. 278). Foi a aludida mística<br />
que, devidamente transformada e mobilizada como patrimônio da tradição, impulsionou o <strong>IBGE</strong> dos anos <strong>Kerstenetzky</strong> a<br />
superar “a posição fragilizada” que ocupava então.<br />
4 Cabe dizer que o <strong>IBGE</strong> por muito tempo fi cou conhecido como Casa de Teixeira de Freitas, não sendo ainda possível<br />
localizar com precisão quando esta identifi cação caiu em desuso. Todavia, é certo que, para tanto, contribuíram muito as<br />
releituras da tradição ocorridas a partir da presidência Issac <strong>Kerstenetzky</strong>.