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Isaac Kerstenetzky - Biblioteca - IBGE

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<strong>Isaac</strong> <strong>Kerstenetzky</strong>, fomentador das estatísticas brasileiras:<br />

perfi l do cientista e do humanista<br />

Em nossas barricadas do desejo, misturavam-se, o sonho de Martim Luther King,<br />

a luta revolucionária de Guevara, as sessões de cinema no Payssandu, as músicas de<br />

Bob Dylan e Joan Baez, os shows no teatro Opinião, o protesto político dos festivais de<br />

música, a audácia e o medo.<br />

Relembro isso, agora, para assinalar um traço distintivo de nosso homenageado. Naqueles<br />

tempos em que as palavras de ordem eram a liberação de costumes e a contestação de<br />

todas as formas de poder; em que saímos para ouvir música e dançar com muitos de nossos<br />

professores; em que com eles tomávamos chope e discutíamos as possibilidades e as vias da<br />

tão almejada mudança, tratando-os quase que invariavelmente pelo prenome, nosso homenageado<br />

era respeitosa e unanimemente chamado de Professor <strong>Isaac</strong>.<br />

Havia como que uma distância reverencial que nos levava a assim chamá-lo. Nele<br />

reconhecíamos a autoridade de mentor intelectual e admirávamos a formação erudita,<br />

a imensa bagagem cultural, que transpunha, em muito, as fronteiras da Economia, a<br />

generosidade na partilha deste conhecimento. Ao mesmo tempo em que estimulava em<br />

nós o prazer da leitura, o gosto pela pesquisa, a descoberta do saber, Prof. <strong>Isaac</strong> era o<br />

maior entusiasta de nossos acertos. Desse entusiasmo fala uma história que se propagou<br />

rapidamente nos corredores da PUC: Prof. <strong>Isaac</strong> havia abonado todas as faltas de<br />

nosso companheiro Sidney Miller ao saber que ele era o autor da música O circo. Era a<br />

contrapartida do cientista social ao poeta. Ambos, grandes.<br />

Foi por suas mãos e pelas do querido amigo Eurico de Andrade Neves Borba,<br />

ele também professor e economista da PUC/RJ, que cheguei ao <strong>IBGE</strong>, no início dos<br />

anos 1970, auge do ciclo autoritário e do que fi cou conhecido como o “milagre econômico”<br />

brasileiro. Em consonância com a doutrina de segurança nacional e com o peso<br />

atribuído ao planejamento pelo regime militar, prioridade básica foi dada à produção<br />

de informações. Vultosos recursos fi nanceiros e humanos foram alocados ao <strong>IBGE</strong> que<br />

teve reforçado seu papel de produtor e coordenador do sistema estatístico nacional. Paralelamente,<br />

os efeitos dos instrumentos de controle e censura, fortemente acionados, à<br />

época, se refl etiram também na produção do órgão. Eram tempos em que não se podia<br />

falar de “gatos” e, quando deles se falava, recorria-se a uma linguagem metafórica que<br />

os transmutava em “felinos de quatro patas” (OLIVEIRA, 2003).<br />

É nesse quadro que ganha relevo a gestão, na presidência do <strong>IBGE</strong>, de um cientista<br />

social da envergadura do Prof. <strong>Isaac</strong>, buscando estabelecer a difícil ponte entre os limites<br />

impostos pelo regime autoritário e as demandas de informação que afl oravam da<br />

sociedade. Uma ponte que ele procurou construir, passo a passo, mediante o estímulo à<br />

refl exão crítica dentro do <strong>IBGE</strong>, o alargamento de suas pesquisas, a introdução de novas<br />

abordagens de análise, a articulação de quadros históricos do órgão a quadros recém<br />

saídos da universidade e a criação de convênios com centros nacionais e internacionais<br />

de pesquisa. Nesse processo, contou sempre – e sempre fez questão de sublinhar isso<br />

– com o apoio do economista João Paulo dos Reis Velloso que, na condição de Ministro<br />

do Planejamento, não apenas o chamou para exercer a presidência do <strong>IBGE</strong>, mas garantiu<br />

as condições para que a mudança no <strong>IBGE</strong> pudesse ser empreendida.<br />

Assim, ao mesmo em tempo em que adequava o <strong>IBGE</strong> às novas tecnologias de<br />

informação, criando o Instituto de Informática e agilizando o processo de coleta, sistematização<br />

e disseminação das informações estatísticas, Prof. <strong>Isaac</strong> nos desafi ava, a<br />

todos, com textos que indagavam: Is it time to stop counting? Sua abertura intelectual<br />

favoreceu abordagens interdisciplinares, impulsionou a combinação de métodos quantitativos<br />

e qualitativos na rotina de trabalho institucional, seu compromisso ético levou<br />

a que temas como pobreza e desigualdade fossem priorizados no âmbito dos estudos e<br />

levantamentos do órgão.<br />

Difícil expressar o signifi cado dessa inovação transformadora, produzida por<br />

Prof. <strong>Isaac</strong> ao longo dos dez anos em que esteve à frente do <strong>IBGE</strong>. Ainda que a mim<br />

tenha cabido focalizar sua contribuição no que se refere mais propriamente ao social,<br />

penso que ele seria o primeiro a questionar uma demarcação rígida de fronteiras entre o<br />

social, o econômico e o geográfi co. E isto porque foi fundamentalmente uma concepção<br />

integrada de sistema de informação, o que sempre pontuou o pensamento e a prática de<br />

Prof. <strong>Isaac</strong> como mestre, pesquisador e condutor de instituições.<br />

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