Cultura e opulência do Brasil - Culturatura.com.br
Cultura e opulência do Brasil - Culturatura.com.br
Cultura e opulência do Brasil - Culturatura.com.br
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
dano; <strong>do</strong>nde se seguem queixas, inimizades e ódios, que se rematam <strong>com</strong> mortes ou <strong>com</strong> sanguinolentas e<<strong>br</strong> />
afrontosas vinganças. Por isso, cada qual trate de defender os seus canaviais e de evitar ocasiões de outros se<<strong>br</strong> />
queixarem justamente <strong>do</strong> seu muito descui<strong>do</strong>, medin<strong>do</strong> os danos alheios <strong>com</strong> o sentimento <strong>do</strong>s próprios.<<strong>br</strong> />
IV<<strong>br</strong> />
Do corte da cana e sua condução para o engenho.<<strong>br</strong> />
COMEÇANDO O ENGENHO A MOER (o que no Recôncavo da Bahia costuma ter seu princípio em<<strong>br</strong> />
agosto), <strong>com</strong>eça também o tempo de meter a fouce na cana que disto é capaz; e para bem, antes de se cortar,<<strong>br</strong> />
há de estar dezassete ou dezoito meses na terra e daí por diante, se a muita seca não a apertar, pode<<strong>br</strong> />
seguramente estar na mesma terra sete ou oito meses. Tanto, pois, que estiver de vez, se mandará pôr nela a<<strong>br</strong> />
fouce, ten<strong>do</strong> já certo o dia em que se há de moer, para que não fique depois de cortada a murchar-se no<<strong>br</strong> />
engenho, ou se não seque, exposta ao sol no porto, se este for distante da moenda; preferin<strong>do</strong> o lavra<strong>do</strong>r que,<<strong>br</strong> />
avisa<strong>do</strong>, trouxe primeiro a cana para o engenho, até se acabar inteiramente a sua tarefa, e perden<strong>do</strong> o vagaroso<<strong>br</strong> />
o lugar que lhe cabia, se por seu descui<strong>do</strong> deixou passar o dia sinala<strong>do</strong>. E o senhor <strong>do</strong> engenho é o que reparte<<strong>br</strong> />
os dias, assim para moer a sua cana, <strong>com</strong>o a <strong>do</strong>s lavra<strong>do</strong>res, conforme cabe a cada qual por seu turno, e manda<<strong>br</strong> />
aviso pelo feitor a seu tempo.<<strong>br</strong> />
Quan<strong>do</strong> se corta a cana, se metem <strong>do</strong>ze até dezoito fouces no canavial, conforme a cana grande ou<<strong>br</strong> />
pequena. E a que se manda a moer de uma vez chama-se uma tarefa, que vem a ser vinte e quatro carros de<<strong>br</strong> />
cana, ten<strong>do</strong> cada carro a justa medida de oito palmos de alto, e sete de largo, capaz de mais ou menos feixes<<strong>br</strong> />
de cana, conforme ela for grande ou pequena, porque menos feixes de cana grande bastam para fazer a tarefa<<strong>br</strong> />
e mais hão de ser necessários se for cana pequena, pois a pequena ocupa menor lugar assim no carro <strong>com</strong>o no<<strong>br</strong> />
barco, e a grande ocupa em uma e outra parte, maior espaço, pelo que tem de maior <strong>com</strong>primento e grossura.<<strong>br</strong> />
Raro, porém, será o carro que traga mais de cento e cinqüenta feixes de cana, e os senhores <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s, pelos<<strong>br</strong> />
cortes antecedentes, sabem muito bem quantas tarefas têm nos seus canaviais.<<strong>br</strong> />
A primeira cana que se há de cortar é a velha, que não pode esperar, costume que não guarda a morte,<<strong>br</strong> />
cuja fouce corta indiferentemente moços e velhos. E esta, corte-se a tempo, que se não faça prejuízo à soca,<<strong>br</strong> />
conforme as terras, mais ou menos frias, e os dias de maior ou menor calor, e sem chuva. E disto procede não<<strong>br</strong> />
se poder cortar a cana em umas terras depois <strong>do</strong> fim de fevereiro, e em outras cortar-se ainda em março e<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>il. Quanto ao corte da cana nova: se o lavra<strong>do</strong>r for muito ambicioso, se achar-se-á <strong>com</strong> pouco ou nada na<<strong>br</strong> />
outra. Por isso, o corte da nova há de ter sua conta e se há de atentar ao futuro, conforme o que se tem<<strong>br</strong> />
planta<strong>do</strong>, usan<strong>do</strong> de uma repartição considerada e segura, que é o que dita, em qualquer outra o<strong>br</strong>a ou<<strong>br</strong> />
negócio, a boa economia e prudência.<<strong>br</strong> />
Assim, os escravos <strong>com</strong>o as escravas se ocupam no corte da cana; porém, <strong>com</strong>umente os escravos<<strong>br</strong> />
cortam e as escravas amarram os feixes. Consta o feixe de <strong>do</strong>ze canas, e tem por o<strong>br</strong>igação cada escravo<<strong>br</strong> />
cortar num dia sete mãos de dez feixes por cada de<strong>do</strong>, que são trezentos e cinqüenta feixes e a escrava há de<<strong>br</strong> />
amarrar outros tantos <strong>com</strong> os olhos da mesma cana; e, se lhes sobejar tempo, será para o gastarem livremente<<strong>br</strong> />
no que quiserem. O que não se concede na limpa da cana, cujo trabalho <strong>com</strong>eça desde o sol nasci<strong>do</strong> até o sol<<strong>br</strong> />
posto, <strong>com</strong>o também em qualquer outra ocupação que se não dá por tarefa. E o contar a tarefa <strong>do</strong> corte, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
está dito, por mãos e de<strong>do</strong>s, é para se a<strong>com</strong>odar à rudeza <strong>do</strong>s escravos boçais, que de outra sorte não<<strong>br</strong> />
entendem, nem sabem contar.<<strong>br</strong> />
O mo<strong>do</strong> de cortar é o seguinte: pega-se <strong>com</strong> a mão esquerda em tantas canas quanto pode abarcar, e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a direita armada de fouce se lhe tira a palha, a qual depois se queima ou pela madrugada, ou já de noite,<<strong>br</strong> />
quan<strong>do</strong>, acalman<strong>do</strong>, o vento der para isso lugar, e serve para fazer a terra mais fértil; logo, levantan<strong>do</strong> mais<<strong>br</strong> />
acima a mão esquerda, botam-se fora <strong>com</strong> a fouce os olhos da cana, e estes dão-se aos bois a <strong>com</strong>er; e,<<strong>br</strong> />
ultimamente, tornan<strong>do</strong> <strong>com</strong> a esquerda mais abaixo, corta-se rente ao pé, e quanto a fouce for mais rasteira à<<strong>br</strong> />
terra, melhor. Quem segue ao que corta (que <strong>com</strong>umente é uma escrava) ajunta as canas limpas, <strong>com</strong>o está<<strong>br</strong> />
dito, em feixes, a <strong>do</strong>ze por feixe, e <strong>com</strong> os olhos dela os vai atan<strong>do</strong>; e, assim ata<strong>do</strong>s, vão nos carros ao porto,<<strong>br</strong> />
ou se o engenho for pela terra dentro, chega-se o carro à moenda.<<strong>br</strong> />
A condução da cana por terra faz-se nos carros; e, para bem, cada fazenda há de ter <strong>do</strong>us, e, se for<<strong>br</strong> />
grande, ainda mais. Por mar, vem nas barcas sem vela, <strong>com</strong> quatro varas, que servem em lugar de remos nas<<strong>br</strong> />
mãos de outros tantos negros marinheiros e o Arrais, que vai no leme; e, para isso, há mister duas barcas