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Cultura e opulência do Brasil - Culturatura.com.br

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impiedade se queimam sem <strong>com</strong>paixão no bagaço? Arrasta-se pelas bicas quanto humor saiu de suas veias e<<strong>br</strong> />

quanta substância tinham nos ossos; trateia-se e suspende-se na guinda, vai a ferver nas caldeiras, borrifa<strong>do</strong><<strong>br</strong> />

(para maior pena) <strong>do</strong>s negros <strong>com</strong> decoada; feito quase lama no cocho, passa à fartar às bestas e aos porcos,<<strong>br</strong> />

sai <strong>do</strong> parol escuma<strong>do</strong> e se lhe imputa a bebedice <strong>do</strong>s borrachos. Quantas vezes o vão viran<strong>do</strong> e agitan<strong>do</strong> <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

escumadeiras me<strong>do</strong>nhas? Quantas, depois de passa<strong>do</strong> por coa<strong>do</strong>res, o batem <strong>com</strong> batedeiras, experimentan<strong>do</strong><<strong>br</strong> />

ele de tacha em tacha o fogo mais veemente, às vezes quase queima<strong>do</strong>, e às vezes desafoguea<strong>do</strong> algum tanto,<<strong>br</strong> />

só para que chegue a padecer mais tormentos? Crescem as bateduras nas têmperas, multiplica-se a agitação<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as espátulas, deixa-se esfriar <strong>com</strong>o morto nas formas, leva-se para a casa de purgar, sem terem contra ele<<strong>br</strong> />

um mínimo indício de crime, e nela chora, fura<strong>do</strong> e feri<strong>do</strong> a sua tão malograda <strong>do</strong>çura. Aqui, dão-lhe <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

barro na cara; e, para maior ludí<strong>br</strong>io, até as escravas lhe botam, so<strong>br</strong>e o barro sujo, as lavagens. Correm suas<<strong>br</strong> />

lágrimas por tantos rios quantas são as bicas que as recebem; e tantas são elas, que bastam para encher<<strong>br</strong> />

tanques profun<strong>do</strong>s. Oh, crueldade nunca ouvida! As mesmas lágrimas <strong>do</strong> inocente se põem a ferver e a bater<<strong>br</strong> />

de novo nas tachas, as mesmas lágrimas se estilam à força de fogo em lambique; e, quanto mais chora sua<<strong>br</strong> />

sorte, então tornam a dar-lhe na cara <strong>com</strong> barro, e tornam as escravas a lançar-lhe em rosto as lavagens. Sai<<strong>br</strong> />

desta sorte <strong>do</strong> purgatório e <strong>do</strong> cárcere, tão alvo <strong>com</strong>o inocente; e so<strong>br</strong>e um baixo balcão se entrega a outras<<strong>br</strong> />

mulheres, para que lhe cortem os pés <strong>com</strong> facões; e estas, não contentes de lhos cortarem, em <strong>com</strong>panhia de<<strong>br</strong> />

outras escravas, armadas de toletes, folgam de lhes fazer os mesmos pés em migalhas. Daí, passa ao último<<strong>br</strong> />

teatro de seus tormentos, que é outro balcão, maior e mais alto, aonde, exposto a quem quiser maltratar,<<strong>br</strong> />

experimenta o que pode o furor de toda a gente sentida e enfadada <strong>do</strong> muito que trabalhou andan<strong>do</strong> atrás dele;<<strong>br</strong> />

e, por isso, parti<strong>do</strong> <strong>com</strong> que<strong>br</strong>a<strong>do</strong>res, corta<strong>do</strong> <strong>com</strong> facões, despedaça<strong>do</strong> <strong>com</strong> toletes, arrasta<strong>do</strong> <strong>com</strong> ro<strong>do</strong>s,<<strong>br</strong> />

pisa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pés <strong>do</strong>s negros sem <strong>com</strong>paixão, farta a crueldade de tantos algozes quantos são os que querem<<strong>br</strong> />

subir ao balcão. Examina-se por remate na balança <strong>do</strong> maior rigor o que pesa, depois de feito em migalhas;<<strong>br</strong> />

mas os seus tormentos gravíssimos, assim <strong>com</strong>o não têm conta, assim não há quem possa bastantemente<<strong>br</strong> />

ponderá-los ou descrevê-los. Cuidava eu que, depois de reduzi<strong>do</strong> ela a este esta<strong>do</strong> tão lastimoso, o deixassem;<<strong>br</strong> />

mas vejo que, sepulta<strong>do</strong> em uma caixa, não se fartam de o pisar <strong>com</strong> pilões, nem de lhe dar na cara, já feita<<strong>br</strong> />

em pó, <strong>com</strong> um pau. Pregam-no finalmente e marcam <strong>com</strong> fogo ao sepulcro em que jaz; e, assim prega<strong>do</strong> e<<strong>br</strong> />

sepulta<strong>do</strong>, torna por muitas vezes a ser vendi<strong>do</strong> e revendi<strong>do</strong>, preso, confisca<strong>do</strong> e arrasta<strong>do</strong>; e, se livra das<<strong>br</strong> />

prisões <strong>do</strong> porto, não livra das tormentas <strong>do</strong> mar, nem <strong>do</strong> degre<strong>do</strong>, <strong>com</strong> imposições e tributos, tão seguro de<<strong>br</strong> />

ser <strong>com</strong>pra<strong>do</strong> e vendi<strong>do</strong> entre cristãos <strong>com</strong>o arrisca<strong>do</strong> a ser leva<strong>do</strong> para Argel entre mouros. E, ainda assim,<<strong>br</strong> />

sempre <strong>do</strong>ce e vence<strong>do</strong>r de amarguras, vai a dar gosto ao paladar <strong>do</strong>s seus inimigos nos banquetes, saúde nas<<strong>br</strong> />

mezinhas aos enfermos e grandes lucros aos senhores de engenho e aos lavra<strong>do</strong>res que o perseguiram e aos<<strong>br</strong> />

merca<strong>do</strong>res que o <strong>com</strong>praram e o levaram degrada<strong>do</strong> nos portos e muito maiores emolumentos à Fazenda<<strong>br</strong> />

Real nas alfândegas.<<strong>br</strong> />

Segunda Parte<<strong>br</strong> />

<strong>Cultura</strong> e Opulência <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> na lavra <strong>do</strong> tabaco<<strong>br</strong> />

I<<strong>br</strong> />

Como se <strong>com</strong>eçou a tratar no <strong>Brasil</strong> da planta <strong>do</strong> tabaco, e a que estimação tem chega<strong>do</strong>.<<strong>br</strong> />

SE O AÇÚCAR DO BRASIL o tem da<strong>do</strong> a conhecer a to<strong>do</strong>s os reinos e províncias da Europa, o tabaco o tem<<strong>br</strong> />

feito muito mais afama<strong>do</strong> em todas as quatro partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, nas quais hoje tanto se deseja, e <strong>com</strong> tantas<<strong>br</strong> />

diligências e por qualquer via se procura. Há pouco mais de cem anos que esta folha se <strong>com</strong>eçou a plantar e<<strong>br</strong> />

beneficiar na Bahia; e ven<strong>do</strong> o primeiro que a plantou o lucro, posto que modera<strong>do</strong>, que então lhe deram umas<<strong>br</strong> />

poucas arrobas, mandadas <strong>com</strong> alguma esperança de algum retorno a Lisboa, animou-se a plantar mais, não<<strong>br</strong> />

tanto por cobiça de negociante, quanto por se lhe pedir <strong>do</strong>s seus correspondentes e amigos que a repartiam por<<strong>br</strong> />

preço a<strong>com</strong>oda<strong>do</strong>, porém já mais levanta<strong>do</strong>. Até que, imita<strong>do</strong> por vizinhos, que <strong>com</strong> ambição a plantaram e<<strong>br</strong> />

enviaram em maior quantidade, e, depois, de grande parte <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s campos, que chamam da<<strong>br</strong> />

Cachoeira, e de outros <strong>do</strong> sertão da Bahia, passou pouco a pouco a ser um <strong>do</strong>s gêneros de maior estimação<<strong>br</strong> />

que, hoje saem desta América meridional para o Reino de Portugal e para os outros reinos e repúblicas de<<strong>br</strong> />

nações estranhas. E, desta sorte, uma folha antes desprezada, e quase desconhecida, tem da<strong>do</strong> e dá atualmente

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