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ORAÇÃO DE TODAS AS CIÊNCIAS E SABERES
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tal ponto semelhante à do canto e das liras (que se chama harmonia) que, a partir
da natureza e figura do corpo todo, produz vários movimentos, tal como os sons
no canto. E até o movimento da natureza é uma espécie de Música, que repele do
espírito os males que as perturbações nele introduziram.
E de tal maneira que os Pitagóricos, aos quais Platão dá o assentimento, atreveram-
‐se a asseverar que do movimento e agitação dos orbes nasce de modo uniforme uma
espécie de suavíssima melodia [24 aliás 23] que a fraqueza dos nossos ouvidos, ou
melhor, a natureza acostumada, não é capaz de captar. 33 Motivo pelo qual, se aos
nossos ouvidos não pode oferecer-se nada de mais desagradável e molesto do que
um canto desafinado, pergunto quão grandes prazeres nos haveriam certamente de
oferecer aqueles cantares, com os quais até as feras se amansavam, de Orfeu, de
Olimpo, 34 de Píndaro, de Apolo e de Terpandro, se os escutássemos? Encaminhando-
‐se o célebre Alexandre da Macedónia para pegar nas armas, certo filósofo bradou
de repente que lhe cumpria desistir do que intentava, porquanto convinha que as
próprias armas fossem o “modo régio”. 35 Logo, a harmonia que se escuta, como que
dotada de vida, por tal forma impressiona o nosso espírito que de modo algum é
tão eficaz a força ou tão vivo o impulso dos restantes sentidos. É que o som, ao
mover o ar, impressiona simultaneamente o sentido e o espírito, e, ao actuar através
da significação e ao penetrar vivamente no entendimento, inunda o homem com
um prazer verdadeiramente espantoso e apodera-se por completo dele.
Disto sabedores, quanto não descobriram os filósofos com os ensinamentos
da natureza! Sobretudo mui amiúde impressionados com o que viam à noite,
contemplando as diferentes e variadas órbitas de todos os orbes e astros e, finalmente,
a força e influências de cada planeta e constelação, [24] alcançaram a ciência da
Astronomia. A qual, se se aplicar a bons fins, há-de ser-nos de uma utilidade e
importância tão grandes que nem se podem imaginar. É que o astrónomo vê a
rapidez do movimento do céu como não podemos imaginar. Depois, as alternâncias
dos dias e das noites e a sucessão das quatro estações, ajustadas ao amadurecimento
dos produtos do solo, e o Sol, que está à testa de tudo isto, e a Lua, que com o seu
crescer e minguar indica os dias da vida e que provoca o fluxo e refluxo do mar. Em
seguida, no mesmo orbe dividido em doze partes, vê que se movem as outras cinco
estrelas, a que o vulgo chama planetas, que com movimentos diferentes entre si levam
a cabo as suas órbitas mediante um admirável movimento. Vê depois, erguendo-se
do mar, a própria terra, colocada e para sempre fixa no meio do mundo, habitável
em quase todas as regiões. E, finalmente, a aparência da noite, por todos os lados
ornamentada com corpos celestes. Conclui-se claramente que o conhecimento destas
cousas lhe ocasione uma imensa deleitação e que seja arrebatado por uma inefável
admiração por Deus Óptimo Máximo, que as criou e governa, o qual não se pode
divisar com os olhos, mas se conhece através das obras: “Porque o que é invisível
em Deus”, consoante diz São Paulo, “tornou-se visível à inteligência, através daquilo
que foi feito desde [25] a criação do mundo”. 36 Aquele divino Platão, quase tocando
este raciocínio, defendeu que estas coisas se deveriam utilizar como uma espécie
Astronomia