Cartas Do Brasil - Brasiliana USP
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MANUEL DA NOBREGA<br />
mais não pôde, sendo certo que a muita que em Vossa Mercê ha,<br />
terá paciência e folgará de ler carta prolixa, ainda que nisso se<br />
perca algum tempo.<br />
E primeiramente quero fazer pranto sobre esta terra e dar-lhe<br />
conta d'ella particular de cousas que mais tenho na alma des o tempo<br />
que a Vossa Mercê deixou, e, ainda que isto não sirva de mais<br />
que de mover as orações de Vossa Mercê a que com mais fervor e<br />
piedade roguem a Nosso Senhor por ella, com isso me contentarei<br />
porque devem ellas agora ser muito acceptas deante o divino acatamento,<br />
como de viuvo, velho e prudente, que cada dia espera pela<br />
conta que lhe ha de tomar cedo, cujos desejos sou eu certo que serão<br />
os do outro Simeão, que desejava lumen ad revelationem gentium,<br />
et gloriam plebis tuce, Israel: defeceruntur prce lacrymis oculi mei,<br />
conturbata sunt viscera mea, effusum est in terra jecur meum, porque<br />
vejo o mau caminho que esta terra leva, cada vez vai merecendo<br />
a Nosso Senhor os grandes castigos, porque cada vez se faz mais<br />
incorrigivel e lança maiores raizes em sua obstinação.<br />
Des que nesta terra estou que vim com Vossa Mercê, dous desejos<br />
me atormentaram sempre: um, de ver os Christãos d'estas<br />
partes reformados em bons costumes e que fossem boa semente<br />
transplantada nestas partes, que desse cheiro de bom exemplo; e<br />
outro, ver disposição no Gentio para se lhe poder pregar a palavra<br />
de Deus e elles fazerem-se capaces da Graça e entrarem na<br />
egreja de Deus, pois Christo Nosso Senhor por elles também padeceu,<br />
porque para isso fui com meus Irmãos mandado a esta terra,<br />
e esta foi a intenção do nosso Rei, tão christianissimq, que a<br />
estas partes nos mandou, e porque para ambas estas cousas eu via<br />
sempre por esta costa toda mau apparelho. O' quantos cálices de<br />
amargura e de angustia bebia a minha alma sempre! E disto alguma<br />
cousa alembrará a Vossa Mercê porque eu communicava<br />
com elle sempre na minha dôr, posto que ainda naquelle tempo<br />
não me amargavam tanto as fezes d'este calix, por não entrar tanto<br />
nellas.<br />
Destes dois desejos que digo, me nasciam outros, que era desejar<br />
os meios para que isto tivesse effeito, e d'estes escolhia dous<br />
que me pareciam melhores: um, era desejar Bispo, tal qual Vossa<br />
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