Cartas Do Brasil - Brasiliana USP
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VIDA DE NOBREGA<br />
to effeito, que nunca mais o demônio a tornou a molestar nem lhe<br />
appareceu.<br />
Outra victoria alcançou também muito assignalada do inimigo<br />
commum acastellado em um ecclesiastico nobre, que havia muitos<br />
annos vivia com uma occasião de portas a dentro. Tinham-lhe<br />
tentado sem effeito todos os remédios e até o das censuras por ser<br />
o escândalo notório. Sabendo de tudo o padre Nobrega se fez muito<br />
seu amigo. Depois de o grangear, procurou desvial-o do peccado,<br />
propondo-lhe uma vez seu perigo. Ao principio levado do<br />
respeito, o ouviu sem dar por seus avisos: como o Padre instasse,<br />
lhe disse com resolução que si em tal cousa lhe tornava a fatiar,<br />
lhe havia de tirar a vida.<br />
Não desistiu o Padre da empreza e nella desejava dar a vida.<br />
Posto o homem nestes apertos, fez comsigo este discurso: "Terrível<br />
cousa que, ou hei de matar a este homem porque me deixe,<br />
ou hei de cortar pelo gosto e appetite. Si o não mato, não me ha<br />
de deixar viver como quero; e si o mato fico perdido; hei de largar<br />
casa, fazenda e até a mesma occasião porque o mato. Pois ha<br />
ha de ser, morra antes o meu appetite com vida de minha alma."<br />
Penetrado deste discurso e da divina inspiração, poz fora de casa<br />
o seu precipicio, chorou seu peccado e d'alli por deante fez vida<br />
mui honesta e virtuosa, ficando sempre agradecido ao padre Nobrega,<br />
como seu libertador.<br />
Indo nesta sua missão chegou ao Sabugal, onde então estava<br />
D. Duarte de Castello Branco, meirinho-mór e alcaide-mór daquella<br />
villa que sabia muito bem que homem fosse o padre Nobrega<br />
e tinha noticia do seu modo de viver e de se hospedar nos hospitaes:<br />
procurou que se agasalhasse em sua casa e comesse á sua<br />
mesa. Resistiu o Padre a esta benevolência, porém elle mandou<br />
por seus criados á porta da Igreja para que, em pregando, o levassem<br />
a jantar com elle. Presentindo isto o Padre, lá teve modo<br />
com que se escoar e se foi metter em um matto, porém, fazendo-se<br />
toda a boa diligencia, o acharam entre umas silvas. Querendo então<br />
satisfazer á cortezia de senhor tão illustre, foi até sua casa e<br />
com muita instância lhe rogou não continuasse naquella sua benevolência,<br />
pois em ordem á sua missão lhe servia muito fazer<br />
vida pobre. Por fim vieram a concerto, que o Padre ficasse embora<br />
no hospital, mas que de sua casa lhe iria por esmola o sustento.<br />
Nesta fôrma se compoz a contenda, no que o Padre houve<br />
de consentir: ainda que desejava mais pedir o sustento pelas portas,<br />
como mendigo, o que até alli fizera.<br />
Em um d'estes logares lhe aconteceu entrando em uma igreja<br />
ver alli uma folia com bailes e musicas malsoantes com que o<br />
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