Cartas Do Brasil - Brasiliana USP
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DIALOGO<br />
ros, mas, humanamente, como homens, assim fallando, este parece<br />
melhor e o mais certo caminho.<br />
Gonçalo Alves: — Mas as razões dos padres,mse vos lembram,<br />
desejo ouvir, porque as que eu apontei no principio, não sei como,<br />
mas elle desfará.<br />
Nogueira: — Olhae cá, irmão, a charidade tudo desfaz e derrete,<br />
como o fogo ao ferro muito duro amolenta e faz em massa.<br />
Gonçalo Alves: — Nisso me parece que vós não tendes razão,<br />
porque a charidade não poderá tirar a verdade, e mais, que razões<br />
pertencem ao entendimento, e a charidade á vontade, que são<br />
cousas differentes, assim como o fogo não tira ao ferro senão a<br />
escoria, e não gasta o ferro limpo e puro; se as razões são boas e<br />
charidade não será contra ellas, porque seria contra a verdade, e<br />
assim não ficaria charidade, senão pertinácia.<br />
Nogueira: — Parece-me que é isso verdade, e que onde houver<br />
sobejo zelo, ás vezes haverá cegar-se as razões, ou usar pouco<br />
dellas, o que cada dia se vê nos muito affeiçoados a uma cousa.<br />
Gonçalo Alves: — E isso não é máu.<br />
Nogueira: — Não sei eu ora quão máu será, parece-me que<br />
ouvi dizer, que São Paulo não approvava tudo o que com bom<br />
zelo se fazia, se que a uns dava testemunho de zelo, ainda que era<br />
bom, a circumstancia necessária, que é saber, se é conforme a vontade<br />
de Deus; porque esta é a regra, que mede todas as obras e<br />
tanto vão direitas e boas, quanto com ella conformam, e tanto desviam<br />
da bondade, quanto desta se desviam.<br />
Gonçalo Alves: — Parece muita razão, que seja isso muita<br />
verdade, conforme a isso não foi bom fazer El-Rei D. Manuel os<br />
judeus christãos, depois da matança, ainda que os mais delles diriam<br />
que sim; mas tomou-o com os portaes cheios de sangue, que<br />
derramaram os ministros do demônio percutiente, que por justiça<br />
de Deus os feriu, incitados por dois frades dominicos, que depois<br />
pelo mesmo caso morreram no Porto, por mandado do dito Rei, e<br />
assim se pagou um mal com outro, como se costuma no mundo,<br />
permittindo e dissimulando Nosso Senhor, até o dia em que manifestou<br />
a todos nossas obras, quaes foram; e El-Rei Jesebuto, Rei<br />
d.'Aragão, não se lhe condemna nos sagrados cânones o zelo com<br />
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