Cartas Do Brasil - Brasiliana USP
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ANTÔNIO FRANCO<br />
O outro caso foi com um mulato que havia na comarca de<br />
Coimbra, o qual era mui valente e salteador de caminhos: tremia<br />
delle toda a terra, em especial os meirinhos, porque os tinha ameaçado.<br />
Depois de cruéis roubos, foi preso, mettido no Castello e sentenciado<br />
á morte. Acudiu-lhe o padre Nobrega alguns dias antes da<br />
sentença, achou-o desesperado, com ódio mortal contra as Justiças,<br />
sem querer lhe faliassem em confissão.<br />
Disse o padre missas, teve oração, pedindo a Deus o não deixasse<br />
de todo. Entre outras palavras, lhe disse o Padre que elle<br />
tomava seus peccados sobre si, para fazer delles penitencia.<br />
Foi esta palavra como um relâmpago de luz do ceu, com que<br />
se desfez o nevoeiro, em que aquella alma estava mettida. Disse que<br />
se queria confessar e assim o fez. Querendo-lhe o Padre dar a communhão<br />
no dia da sentença, por ordem dos Padres tomou conselho<br />
com o <strong>Do</strong>utor Navarro. Este lhe aconselhou que lh'a desse; que<br />
elle aeudiria, si quizessem executar a sentença. Com isso se foi o<br />
padre Nobrega e ao ler da. sentença, estando elle presente, respondeu<br />
o mulato com grande ira: Oh! que injusta sentença! E tornou<br />
a renovar os ódios passados e desejo de matar os meirinhos; com as<br />
exhortações do Padre tornou em si. O Padre o confessou e, dizendo<br />
missa no Castello, lhe deu a communhão, por causa da qual não padeceu<br />
aquelle dia. No dia seguinte, o accompanhou até á forca e<br />
morreu com mostras de salvação.<br />
<strong>Do</strong> grande zelo que tinha do bem das almas, nascia reprehender<br />
asperamente os peccados e desejar ser por isso injuriado. Fez<br />
uma peregrinação a Salamanca em tempo que ainda os nossos não<br />
eram ainda conhecidos. Nesta viagem, achando um dia santo os homens<br />
de um logar jogando a bola, chegou-se a elles, começou a lhes<br />
faliar de Deus e movel-os á penitencia. Como si cousa nova, se perturbaram<br />
e o começaram a injuriar, dizendo: Este é aquelle estudante<br />
que os dias passados furtou a mulher casada? Prendam-o e<br />
levem-o ao corregedor Ledesma. Como o Padre mais se afervorasse,<br />
tendo grande desejo de o maltratarem e prenderem e allegasse<br />
alguma auctoridade em latim, diziam elles: Oh! como falia latim,<br />
prendam-o, que este é. Assim o injuriaram algum tempo até que<br />
desenfadados o deixaram.<br />
Na mesma occasião chegando a uns casaes encontrou com um<br />
Conde, que andava á montaria com sua gente. Acertou de estar jantando<br />
tendo comsigo á mesa um chocarreiro e rodeados de criados,<br />
servia uma moça á mesa, com a qual elle fallava graças e palavras<br />
pouco honestas. O padre Nobrega o conhecia do tempo dos estudos<br />
de Salamanca, e sabia ser notado de pouco honesto. Parou o<br />
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